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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Diferentes culturas, diferentes éticas?

Texto escrito por Bárbara Oliveira, Fátima Sousa, Irina Pereira e Raquel Matos, alunos do curso de Pós-Graduação em Bem-Estar Animal, ISPA

Ao comentarmos esta questão somos levados a pensar que o seu conteúdo está intrinsecamente associado às diferenças culturais dos povos e, como tal, podemos inferir que os valores éticos também podem mudar com as variações culturais. Esta pergunta reveste-se de um conteúdo gigantesco quando pensamos nas várias escolhas alimentares de diferentes civilizações.


Analisemos a situação sobejamente conhecida do uso de cães e gatos na alimentação dos povos asiáticos. Do ponto de vista ocidental, a ideia de comer animais domésticos, como o cão e o gato, com os quais (tradicionalmente) se criaram fortes laços afectivos, origina repulsa e, em muitos casos, indignação, uma vez que não são percepcionados como alimento. Estas espécies, como seres sencientes que são, poderiam ser alvo do mesmo “tratamento” que as espécies pecuárias sem originar grande controvérsia, não fossem as relações emocionais que os entrelaçam com os humanos.


Noutra perspectiva, e colocando de parte qualquer teoria relacional, será muito diferente o consumo de carne canina ou felina do consumo de qualquer outra carne? Até que ponto a moralidade de alguém ou algum povo pode ser posta em causa pelo tipo de carne que consome? Onde se enquadra, por exemplo, o consumo de carne de cavalo nesta escala?

Tal como no Ocidente as pessoas podem ficar chocadas pela maneira como os cães são tratados nas culturas orientais, onde são utilizados como fonte de alimento, levando-nos a pensar que ética e que moralidade terão esses povos, questionamos o que pensarão os habitantes da Índia sobre as civilizações ocidentais, onde os bovinos são tratados sob controlo humano, para depois servirem de alimento, enquanto, que para eles são considerados animais sagrados?

Face a esta reflexão, questionamos – diferentes culturas, diferentes éticas? Não, entendemos que não. A ética, como princípio filosófico, é a mesma. A aplicação prática desta é que difere de cultura para cultura. A moralidade impressa a todos os “actos” com animais é divergente, e isso sim, depende da cultura dos vários povos. Talvez a grande questão se coloque não no tipo de carne consumida, mas as condições em que estes animais são mantidos e abatidos.

11 comentários:

  1. El principio ético de igualdad de consideración de intereses me lleva a pensar que cualquier acto que atente contra los intereses básicos de los animales (no sufrir, vivir, etc.) deben ser respetados tanto como han de serlo los intereses humanos.
    Este es un imperativo ético (universal) al que deberían someterse todas las formas de moral especista que aun perviven en las diversas sociedades humanas del planeta.

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  2. David: O que aponta é um aspecto importante, que separa dois tipos de abordagens sobre ética animal: as teorias com base nas caracteristicas de quem toma a decisão e as teorias com base nas caracteristicas de quem a decisão afecta. Um cão é um cão na China, em Portugal, na Suécia; os interesses básicos de um cão chines não são diferentes de um cão portugues. Logo, uma ética animal que tem como base as caracteristicas do animal (que é tratado) e não as dos seres humanos (que o trata) é menos sujeito a variações culturais.

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  3. Cara Anna, muchas gracias por tus comentarios! La verdad es que este es un tema muy interesante desde varios puntos de vista.
    Sin embargo, sí que me gustaría añadir lo siguiente:
    No creo que sea posible defender una teoría que tenga en cuenta sólo una de las dos cuestiones que señalas (las características de quien toma la decisión o las características de quien se ve afectado por dicha decisión).
    La importancia de ambas debe ser evaluada con el fin de obtener un juicio ético más justo (y de ahí que existan algunos excepcionales supuestos en los cuales pueda ser admitida la experimentación con animales --humanos o no--).
    En este sentido, es importante resaltar que no existe ningún argumento que nos haga llegar a la conclusión de que el interés de un ser humano por no sufrir es más importante que el interés de un ratón también por no sufrir. De ahí que en mi anterior comentario haya señalado que sólo en sociedades con una moral especista los intereses de los animales no humanos serán considerados de menor valor en comparación con los intereses de los animales humanos.
    Un saludo desde España!

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  4. A meu ver, todas as culturas são, de uma forma ou de outra, especistas. Somos especistas quando damos mais importância ao sofrimento humano do que ao de outros animais, da mesma forma que somos especistas quando valoramos mais uma espécie animal em relação a outras por motivos meramente antropocêntricos. Neste contexto, o especismo é uma falsa questão ética pois ninguém (nem mesmo o Peter Singer) consegue levar o princípio de igual consideração de interesses até às últimas consequências.

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  5. David e Manuel: Concordo com as vossas reflexões. E ainda há a questão da nossa limitação em perceber os interesses do outro quando este outro pertence a outra especie. Mas há uma questão central para mim, que faz com que das multiplas teorias com aplicação aos animais, tendo sempre mais para o lado do utilitarismo (que bem que vejo os problemas com utilitarismo tout cours). É que em nenhuma das outras teorias o (que eu entendo como) os interesses dos animais estão tão centrais. O que protejo se protejo um cão mais do que um rato, de uma perspectiva contratualista - especiecista é no primeiro lugar a minha sensibilidade que é maior face ao cão do que o rato. O facto do cão ser mais protegido é uma especie de efeito secundário. E do outro lado, dos direitos dos animais estilo Regan, parece-me que se tenta a proteger interesses que os animais não possam ter, ou pelo menos parece-me a mim que não têm a capacidade de pensamento abstracto para ter. Uma pessoa pode ter a noção que está a ser explorada, um animal não. Logo, não é óbvio que o direito a ser tratado como um fim em si próprio é relevante para quem não sabe a diferença entre isto e o de ser explorado. Claro que se a exploração implica desrespeito pelo bem-estar do animai, há um problema, mas este problema deve se a forma da exploração e não da exploração como principio, ao meu ver.

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  6. Manuel, estás en lo cierto al indicar que todas las sociedades son especistas. Todas esclavizan a los demás animales para la consecución de beneficios para los humanos.
    Sin embargo, sí que creo que el número de personas antiespecistas está creciendo lenta y constantemente (los últimos años en España ha habido un movimiento más potente de lo que me esperaba).
    La moral de los pueblos se desarrolla cada vez más y poco a poco el ser humanos se ha dado cuenta que la tortura de otros individuos realizada con el único propósito de conseguir beneficios para el grupo opresor no es una actividad compatible con los principios éticos del siglo XXI.
    El siglo pasado nos dimos cuenta que no estaba bien esclavizar a los negros (se argumentaba que carecían de las mismas capacidades intelectuales que los blancos) para obtener beneficios económicos. Hoy en día es imposible sostener posturas que pretendan justificar casos como el de Tuskegee…
    De la misma forma, poco a poco las sociedades van siendo conscientes de que utilizar a otros animales conscientes y sintientes es igual de censurable. Es cierto que la gran mayoría de humanos aun es especista, pero no hay que perder la vista de que la dirección que lentamente va tomando la humanidad va otros rumbos (a principios del S. XX casi la totalidad de americanos creía que estaba bien esclavizar a los negros).

    De todas formas no consigo ver que P. Singer sea especista si considera como iguales a los individuos que tengan las mismas capacidades. De allí que haya sostenido que solo es justificable experimentar con ciertos animales cuando se pueda justificar la ejecución del mismo experimento en niños muy pequeños (con esto se ganó, obviamente, la crítica de un importante sector de la Bioética conservadora).
    Un saludo!!

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  7. Anna,
    Muchas gracias por tu comentario.
    Como indicas, una cuestión de capital importancia es la de que las diversas teorías tengan en cuenta o no los intereses de los demás animales.
    En mi opinión, creo que desde esta perspectiva, las teorías que menosprecian el valor de sus intereses tendrían que justificar el por qué de tal menosprecio...
    Entiendo que es fundamental para la Bioética el prevenir (o, en su caso, detener) tal vez el más grande genocidio de toda la historia del planeta. Por lo tanto, y dado que debemos ser muy cautelosos, habría que cuidar este punto con mucha cautela.
    Nuevamente os envío un saludo!!!

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  8. É com interesse que tenho procurado acompanhar as reflexões que aqui se vêm desenvolvendo, em particular pela preocupação que também partilho na discussão de temas de dimensão ética. Observo no entanto o que me parece ser uma patologia de pensamento recorrente, presente na abordagem excessivamente abstracta sobre algumas questões que aqui se abordam e o risco de tal poder diluir as implicações éticas dos factos em presença.

    O texto anterior – Diferentes Culturas, Diferentes Éticas? – é exemplar no modo como incorre num erro de método, ao questionar o conceito de ética sobre uma base lógica, pressupostamente científica. Afirma-se: «A ética, como princípio filosófico, é a mesma. A aplicação prática desta é que difere de cultura para cultura. A moralidade impressa a todos os “actos” com animais é divergente, e isso sim, depende da cultura dos vários povos». Valerá a pena questionar o alcance desta proposição.

    A ética reflecte um juízo sobre as acções humanas no contexto de ideias morais presentes na sociedade. A ética não é por isso a mesma entre culturas diferentes porque delas decorrem entendimentos diferentes sobre as implicações morais das suas práticas. A recusa presente nas sociedades ocidentais quanto a usar animais domésticos na alimentação tem essa base afectiva, subjectiva, moral, mas ela não deixa, por ser subjectiva, de constituir um “valor”, um conceito sobre o qual se estabeleceu um consenso social alargado. O facto dos valores não serem proposições objectivas não os torna num não-valor.

    A ética não é uma ciência pura, não decorre de nenhuma lei (lógica/matemática). Não podemos estabelecer uma ética universal porque ela traduz um entendimento de natureza cultural sobre princípios morais, de bem e de mal. E não poderemos por isso afirmar que a nossa ética é “superior” à que encontramos nas culturas orientais onde se utilizem cães ou gatos como fonte de alimento. Mas podemos defender a inaceitabilidade dessas práticas no contexto do nosso entendimento cultural sobre a acção humana e o seu impacto sobre o que nos rodeia, ou seja, no nosso juízo ético.

    Faço, a este respeito, um pausa para sublinhar um aspecto que considero importante. Tenho o maior respeito pela importância da Ciência para a evolução das sociedades. Julgo mesmo que um dos grandes problemas da sociedade em que vivemos decorre da perda da dimensão científica no domínio da reflexão sobre os problemas e da tomada de decisão, até no campo político.
    Mas não posso deixar de alertar para o facto de não se poder sobrepor um entendimento lógico, abstracto, de origem académico-científica, sobre valores culturais de sociedade. Este tipo de discurso corre o risco de promover uma “relativização” desses valores, porque eles não são demonstráveis sobre uma base lógica. Mas a sua anulação, por absurdo, provocaria aquilo que não deixaríamos de considerar uma aberração cultural. Ou seja, em resumo, temos de defender a nossa própria subjectividade, a construção civilizacional em que vivemos.

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  9. (continuação do comentário anterior)
    A questão mais interessante que por isso se levanta neste texto não é tanto a reflexão comparativa, qualitativa, entre culturas, mas a subjectividade ética das nossas próprias diferenças de critério quanto ao uso de animais para alimentação. Porque aqui colocam-se questões de tabu cultural – comer cães e gatos, ou cavalos – bem como preocupações morais quanto aos processos de criação e abate de animais para consumo humano, e ainda razões de natureza social e ambiental quanto às necessidades alimentares da população. E sobre isso podemos encontrar práticas diferentes na nossa própria sociedade. Porque o nosso modo de vida não é inócuo. Tal facto não nos pode fazer deixar de alimentar ou existir. Mas podemos, ou devemos, ter preocupação ética sobre os impactos que temos sobre o meio que nos rodeia e o modo como os poderemos minimizar.

    Sobre essa consciência ética coloca-se o problema da nossa actuação sobre animais sentientes, como bem apontado em comentário anterior por David. É uma questão muito complexa que resvala para a discussão do direito animal, tema sobre o qual encontramos correntes de pensamento muito diversas. [E sobre o qual, diga-se, seria bom não desenvolver dissertações maniqueístas que confundam a defesa de uma discussão sobre o “direito animal” como um exclusivo de “grupos extremistas defensores dos direitos dos animais”. Cuidado com o risco de, mesmo inconscientemente, promover uma forma de dissonância cognitiva.]

    A respeito do debate observado nos comentários, não posso deixar de reputar de muito errado o que escreveu Anna Olsson quanto ao tema da experimentação: «Uma pessoa pode ter a noção que está a ser explorada, um animal não. Logo, não é óbvio que o direito a ser tratado como um fim em si próprio é relevante para quem não sabe a diferença entre isto e o de ser explorado.»

    O direito sobre o modo como um animal é tratado é mesmo, pelo contrário, uma questão de princípio, e não uma questão decorrente da capacidade de entendimento do facto de estar a ser explorado. Poderíamos contrapor com o exemplo humano. O facto de uma pessoa, por possuir limitação cognitiva (por exemplo, até, numa situação de inactividade cerebral), não torna legítima a sua utilização para experimentação.

    O que legitima, ou não, um acto de experimentação é o entendimento social sobre a sua justificação de força maior, no âmbito científico, medico, ou mesmo industrial. É uma questão muito difícil e sobre a qual também me debato a nível pessoal. Mas que deve ser reflectida, exactamente, no plano ético, na discussão subjectiva mas essencial à formação da ideia de sociedade em que vivemos.

    Cumprimentos e o meu agradecimento pela vossa atenção.

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  10. Daniel: Obrigada pelo comentário. Das muitas reflexões nele, vou abordar duas.

    Primeiro, peço que explique um pouco mais o que quer dizer com "Mas não posso deixar de alertar para o facto de não se poder sobrepor um entendimento lógico, abstracto, de origem académico-científica, sobre valores culturais de sociedade." Esta frase pode ser interpretada como dizendo que não se pode fazer precisamente o que estamos a fazer neste momento: ter um debate sobre práticas culturais possivelmente baseadas em valores de uma sociedade. Mas creio que não é isso que quer dizer.

    (Entra outra questão em jogo: até que ponto deviamos discutir práticas culturais de uma sociedade que pouco conhecemos. Pessoalmente sou da opinião que deviamos ter muito cuidado com isto. Não teria escolhido o tema do post em questão, mas defendo que esta blog não deve ter apenas a minha voz.)

    Segundo, penso que preciso eu própria esclarecer a minha argumentação na resposta anterior, quando falo da relevância de direitos dos quais o sujeito não pode ser consciente. Um purista diria que estou a misturar a linguagem de direitos com a linguagem de interesses, e que estes pertencem a teorias de ética diferentes. É verdade, do ponto de vista teórico. Mas no mundo real, têm que conviver. Pessoas que falam mais a linguagem de interesses, que é o meu caso, tem que se entender com pessoas que falam mais a linguagem de direitos, que creio que é o seu caso. Tentarei abordar isto no próximo comentário.

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  11. Interesses e direitos, portanto. No mundo de ética, são conceitos diferentes. A linguagem de interesses pertence sobretudo à ética consequencialista, a de direitos obviamente à ética de direitos. Mas no mundo real cruzam-se. Em muutos casos sobrepõem-se.

    Quando um direito protege um interesse, quem fala a linguagem de interesses está em pleno acordo com quem fala a linguagem de direitos.

    Quando um direito protege algo que não é um óbvio interesse do sujeito protegido (atenção que digo "não é um óbvio interesse!, que é outra coisa do que dizer "óbviamente não é um interesse"), os dois já têm mais dificuldade em se entender.

    E é isto que se passa quando digo «Uma pessoa pode ter a noção que está a ser explorada, um animal não. Logo, não é óbvio que o direito a ser tratado como um fim em si próprio é relevante para quem não sabe a diferença entre isto e o de ser explorado.»

    Para mim, essencialmente consequencialista, faz pouco sentido de definir um direito que não é coplado a um interesse. Para si, faz pouco sentido apelar a um interesse para defender um direito.

    Isto não faz a argumentação de nenhum de nós errada. Posso no entanto estar errada na minha interpretação do que está a dizer, e nisto agradeço então que me corrige.

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