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terça-feira, 29 de março de 2011

O pastor ausente

A convivência entre humanos e animais não se limita às situações em que os animais estão em cativeiro, acontece também no contacto com os animais selvagens ou assilvestrados. Um artigo do Público de sexta-feira dia 18 de Março, infelizmente não acessível on-line, relata a preocupação dos agricultores em Paredes de Coura com o impacto dos cavalos garranos. Mais do que preocupar-se, a Vessadas, Associação para o Desenvolvimento Agrícola e Rural das Terras de Coura está a processar o Estado por não controlar os garranos. Afirma-se que o problema tem a ver com o ‘pastor ausente’: “um novo tipo de pastoreio que surgiu nas últimas duas décadas. Passou a existir um novo tipo de ’criador’ de gado, que não é agricultor. Não exerce qualquer actividade produtiva que possa suportar os animais, nem possui qualquer estrutura de curral que permita conter os animais. O ‘pastoreio’ consiste numa visita semanal ou quinzenal à zona onde se abandonaram os animais, normalmente realizada em viatura todo o terreno ou mota.”

Não conheço o fenómeno além do que leio no jornal, não posso confirmar se a descrição da situação é verosímil. Mas a leitura leva-me a pensar num outro encontro entre espécies diferentes, o Homo sapiens rural e o Homo sapiens urbano. Criada num meio agrícola, vivendo agora na cidade, penso que sou uma híbrida entre as duas, o que me faz reflectir bastante sobre o seu difícil encontro. Muito do trabalho de conservação, em Portugal e não só, é caracterizado por uma tensão entre as preocupações da população local que convive com as especies a ser protegidas e as preocupações de conservação que na maior parte das vezes vêm de fora. Isto é muito evidente no caso do lobo na zona de Douro e Trás-os-Montes, um caso que espero poder explorar mais ao longo dos próximos tempos cá no animalogos.

Não sei de onde vem o pastor ausente ou onde mora, mas tudo indica que não é lá, na terra onde vivem os seus animais e onde vivem outros agricultores. Esta constatação incomoda. O garrano não tem uma vida fácil. O agricultor de pequena escala do Norte de Portugal também não. A última coisa que precisam são intervenções de origem urbana que agudizam a confrontação.

5 comentários:

  1. Os animais silvestres ou assilvestrados como os cavalos garranos, levantam com toda a razão preocupações aos agricultores da zona, pois para além da sua população não ser controlada, interfere ainda na quantidade de alimento disponível e na gestão de baldios dos compartes. É do meu conhecimento que, sendo estes animais subsidiados, são adquiridos com essa mesma intenção e posteriormente “abandonados”, sem qualquer controlo.
    É claro que os programas de preservação das espécies em vias de extinção são fulcrais na preservação da biodiversidade, mas é claro também que esta não é a maneira correcta de o fazer. Porque não subsidiar, sim, mas subsidiar apenas produtores com informação e conhecimento? Ou promover campanhas que criem essas mesmas condições?
    Por outro lado é também um pouco dúbio o controlo da população, pois teremos que pensar em qual o limite de animais para determinada zona e para determinado produtor, de maneira a não comprometer o ecossistema da região e o habitat natural destes animais, estabelecendo assim um equilíbrio.
    Na minha opinião, esta problemática estará inteiramente ligada com o abandono de actividades e terrenos agrícolas, não podendo por isso ser solucionado alterando apenas as políticas agrícolas de fundo?

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  2. "What you pay is what you get" é um facto nem sempre devidamente considerado.

    Se o subsidio e´baseado no facto de possuir o animal sem qualquer exigência ou consideração das circumstancias, o resultado será o observado.

    É uma ideia interessante fazer o subsidio condicional à possibilidade de uma boa gestão dos animais. É o caso de muitos subsidios.

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  3. De facto, esta problemática dos "Garranos Boom" é bastante preocupante, não só para os agricultores da região que acabarão por ver as suas propriedades e colheitas ameaçadas, mas também para os próprios garranos, na medida em que estamos perante um acelerado crescimento da espécie, por falta de controlo reprodutivo. Assim sendo, onde fica o bem-estar e a qualidade de vida destes animais?
    Processar o estado por esta situação... a solução passará apenas por aí? Se de facto estes animais são subsidiados, afinal quem é o responsável? Além dos programas já mencionados, porque não, incentivarem os jovens agricultores desta região na produção destes animais? Claro, que me refiro a uma produção controlada e exigente... E certamente, quer os animais, quer os agricultores, beneficiariam com a situação.
    A meu ver, este é um assunto muito desconfortável, na medida em que os animais foram "depositados" num local que supostamente seria um "pastoreio" e onde diariamente não existe ninguém que garanta que as 5 liberdades do bem-estar animal estão a ser asseguradas.
    É lamentável que nos dias que correm ainda existam pessoas como este “pastor desconhecido”, em que os valores pessoais superam os valores morais e éticos dos animais.

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  4. Cara Liliana:

    No que diz respeito ao conflito entre valores pessoais e animais, os dias que correm não são em nada melhores dos que os que já foram nem serão piores dos que os que hão-de vir. Apenas trazem lamentos diferentes. O tema é complexo e li, no Público mais uma vez, que os interesses de todos - excepto do pastor ausente - saem prejudicados. O "pastor ausente" é dono de terras, e não as cultiva porque tem outros rendimentos. Os agricultores não criam garranos porque, ou não têm terras próprias ou precisam delas para produzir.

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  5. Caro professor:

    Estou ciente que infelizmente o conflito entre valores pessoais-animais não há-de mudar muito desta triste realidade...

    Concordo quando diz que todos saiem prejudicados, excepto o "pastor ausente", mas de modo algum ele tem o direito de colocar em causa o bem-estar dos garranos e prejudicar a vida dos agricultores, apenas em prol do seu próprio beneficio. Daí, ser a favor de fiscalizações regulares e a aplicações de coimas a pessoas como este "pastor" e, em compensação, por exemplo o Estado ajudar/subsidiar alguns agricultores na aquisição de novas terras para este fim, uma vez que as que possuem serão para produzir.

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