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segunda-feira, 16 de abril de 2012

Frans de Waal: comportamento moral em animais.



Fanz de Waal é um conceituado primatologista e etólogo que ficou famoso, entre outras facanhas científicas, por demonstrar a importância da reconciliação na agressividade dos chimpanzés. Para o fazer, De Waal teve de recorrer um grau moderado de antropomorfismo, isto é, teve de se basear naquilo que se passa nas relações entre seres humanos para construir a sua hipótese em chimpanzés, que se veio a verificar.

No vídeo que aqui vos deixo, De Waal parece recorrer um nível mais elaborado de antropomorfismo para construir a hipótese de que (pelo menos alguns) mamíferos apresentam comportamentos morais, tais como empatia, cooperação, justiça e reciprocidade. Embora as experiências sejam muito apelativas, até pelo rigor com que são realizadas, eu tenho relutância em fazer a mesma leitura dos seus resultados. Talvez eu tenha um preconceito behaviorista na medida em que considero não ser possível medir a moralidade de uma acção ou comportamento apenas através da sua observação. É meu entender que se não temos acesso às motivações que dão origem ao comportamento, não vale a pena fazer afirmações sobre a sua moralidade. Porque não o podemos confirmar; um comportamento que apenas aparenta ter motivações morais não é em nada diferente de um comportamento de facto baseado em princípios morais. E por isso, considero as conclusões de de Wall como "antropomorfismo sentimental", ou aquilo que Kennedy (1992) apelida de "mock anthropomorphism".

Mas houve outra coisa que me chamou a atenção neste vídeo: eu sou da opinião que a ciência deve ser divertida, mas não consegui deixar de sentir algum incómodo com as observações risíveis de De Waal sobre os vídeos e as correspondentes gargalhadas da plateia, que reagia como se estivesse a ver uma comédia. Não penso que isso contribua para a credibilidade do estudo da etologia cognitiva.

9 comentários:

  1. Caro Manuel Sant'Ana

    "um comportamento que apenas aparenta ter motivações morais não é em nada diferente de um comportamento de facto baseado em princípios morais"

    Não percebo a conclusão que retirou desta premissa. Se não há nenhuma diferença entre comportamentos aparentemente morais e comportamentos comprovadamente morais, não há razão para pensar que os primeiros sejam uma "mock version" dos segundos.

    Outro aspecto que me desperta curiosidade é se está a haver alguma espécie de especismo da parte do Manuel. Acho que o Peter Singer tem jeito para estas coisas, por isso vou fazer algo ao estilo dele.

    Imagine que em vez de primatas não-humanos, este comportamento era observado em humanos com o mesmo nível mental dos primatas de de Wall. Crianças de 2/3 anos ou pessoas com algum tipo de comprometimento cognitivo, por exemplo. Imagine ainda que não podia perguntar a estas pessoas as suas motivações (ou porque não tinham aprendido a falar ou porque o déficit cognitivo afectava essa capacidade).

    Nessa situação, o Manuel consideraria que estávamos perante perante comportamentos morais, ou apenas aparentemente morais?

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  2. Caro Ricardo:

    Não me furto a responder ao seu estimulante desafio: nesse caso estariamos na presença de comportamentos aparentemente morais. E dou-lhe um exemplo pessoal que me aconteceu esta semana com o meu filho de dois anos e que me fez pensar na experiência com os macacos capuchinhos do vídeo. O meu filho de dois anos queria ver o Pokoyo (desenhos animados) mas eu queria ver o futebol (liga dos campeões). Tentei explicar-lhe que ele teria que brincar com os legos (o equivalente ao pepino dos macacos) em vez de ver o Pokoyo (as uvas). Ele pareceu aceitar e foi brincar com os legos, mas quando eu liguei a televisão para ver o futebol ele parou de fazer o que estava a fazer para vir chorar à frente da TV a gritar pelo Pokoyo (o equivalente a atirar das rodelas de pepino ao operador). Se eu fizesse a mesma leitura de De Waal eu diria que o meu filho se sentiu injustiçado, por eu poder ver televisão e ele não. Mas eu não chego tão longe, porque considero que o meu filho de dois anos não sente inveja, porque não é um agente moral. Ele está a chorar não por achar a situação injusta mas porque tem um desejo não realizado. A televisão ligada funcionou como uma pista auditiva e visual que lhe magnificou essa necessidade não suprida.

    É assim possível explicar o comportamento de uma criança de dois anos, tal como a de um animal, sem incluir o elemento moral. E este exemplo também reforça a ideia de que é de facto possível existir um comportamento que apenas aparenta ter motivações morais e que não é um comportamento de facto baseado em princípios morais.

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  3. Caro Manuel,

    Antes de mais, deixe-me congratulá-lo por ter respondido à minha pergunta (outras pessoas poderiam pôr-se na defensiva e não responder) e logo de forma tão honesta. Perante a sua resposta, acho que um eventual especismo está fora de questão.

    Em relação ao conteúdo da resposta propriamente dita, é um caso bastante interessante, sem dúvida. Mas penso que as experiências de De Waal vão um pouco mais longe do que o episódio que sucedeu com o seu filho, oferencedo mais alguma evidência de que existe mesmo uma aversão à inequidade e não apenas uma frustação dos desejos.

    Mas para termos mais certezas, penso que deveriam ser feitos alguns controlos: num deles as uvas deveriam ser mostradas aos macacos ao mesmo tempo que o pepino para se perceber se as pistas visuais desencadeiam uma reacção de protesto imediatamente. Noutro, o macaco que recebe as uvas deveria realizar uma tarefa mais complexa que o que recebe o pepino. Neste caso, uma reacção de protesto não provaria miuta coisa, mas uma ausência de protesto podia revelar duas coisas: o reconhecimento da diferença entre graus de dificuldade de diferentes tarefas e, mais importante ainda, uma noção de recompensa justa de acordo com a dificuldade. Eu tinha pensado em mais uma ou duas variações há uns dias, mas não me consigo lembrar delas.

    Por último, De Waal refere um antropólogo lhe tinha dito que acreditaria que estávamos perante uma noção de justiça se o macaco que recebe as uvas se recusasse a comê-las, a não ser que o seu "amigo" também recebese; De Waal diz que já teve alguns resultados nesse sentido. Eu próprio acho que já ouvi ou li notícias sobre comportamentos semelhantes em chimpazés. Acho que nesse caso, aquilo que o direito americano chama de preponderância da evidência, vai no sentido de existir alguma noção de justiça ou equidade entre primatas.

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  4. Estive a rever o vídeo e percebi que tanto o pepino como as uvas estão bem visíveis logo de início. Sendo assim, e tendo em conta que Frans De Waal diz que eles estão perfeitamente dispostos a fazer a tarefa 25 vezes seguidas desde que ambos recebam pepinos, isto indica que não basta a pista visual da uva para despertar o protesto. Parece ser a introdução do pagamento desigual que motiva a reacção de protesto.

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  5. Para desfazer as nossas dúvidas precisavamos de ter acesso ao estudo que foi publicado em Fevereiro deste ano na revista Behaviour, com o título: Food-related tolerance in capuchin monkeys (Cebus apella) varies with knowledge of the partner's previous food-consumption.

    Infelizmente ainda não tenho acesso ao artigo e só me posso basear no seu resumo assim como no vídeo. Pelo que percebo, os macacos mostraram maior intolerância ao pepino ao verem o colega a receber uvas, algo que não parece acontecer se o colega também receber pepino ou se não virem o que ele recebe. Não parece haver dúvidas, diga-se, que o macaco está a reagir à saída das uvas (e não meramente à sua presença), mas isso não quer dizer que ele esteja a reagir ao receptor das uvas. O que aconteceria se substituissemos o colega por um robot? Se o macaco continuasse a exibir intolerância ao pepino, muito dificlmente se poderia concluir que o macaco se sente injustiçado em relação a um robot. Mas se, ao invés, o macaco deixasse de manifestar intolerância ao pepino apesar de ver o robot a receber uvas, isso provavelmente indicaria que não lhe é indiferente o facto de ser um robot a receber uvas em vez de um outro macaco. Nesse caso, e salvo outras condicionantes experimentais, eu estaria disposto a equacionar que os macacos capuchinhos dominam o conceito de justiça no que diz respeito a membros da sua espécie.

    Passar de motivações observacionais para motivações morais em animais é um passo gigante. Não é surpreendente, aliás, que os autores sejam muito mais cautelosos nas suas conclusões no próprio artigo do que De Waal foi na TedTalk.

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  6. Porque é que não poderíamos concluir que o macaco se sente injustiçado em relação a um robot? Se o macaco conseguisse perceber que o robot estava a realizar a mesma tarefa que ele, e presumindo que o macaco não sabe que se trata de um objecto programável, parece-me razoável que o macaco se sentisse injustiçado. Existe na mesma a inequidade na recompensa, logo seria de esperar a existência a aversão à inequidade, na minha opinião.

    Quanto ao último parágrafo, não vejo que seja necessário chamar "motivações morais" a um único elemento do complexo sistema de conceitos, crenças e emoções a que chamamos "moral". O facto de encontrarmos uma viga do prédio a que chamamos moralidade não implica que estejamos a dizer que outros animais também o construíram. Pensando nisto do ponto de vista evolutivo, parece-me igualmente um passo de gigante assumir que todos o sistema moral surgiu na espécie humana ou só depois da divergência com os chimpanzés. Não temos problema em atribuir outros comportamentos humanos a todo o tipo de animais (incluindo a não-primatas e não-mamíferos), como a competição e a agressão, mas temos todos os cuidados em atribuir comportamentos cooperativos e pró-sociais a qualquer animal não-humano. Não entendo porquê (se calhar é por desconhecimento da minha parte sobre comportamento animal, estou apenas a filosofar). Ou se calhar entendo: parece que todas as características que fazem de nós mais "nobres" e "virtuosos" têm de ser exclusivas da nossa espécie, não vamos nós cair do nosso pedestal e ficar ao nível dos outros animais. Talvez seja mais um resquício do nosso sentimento de sermos especiais do que precaução científica razoável.

    Admitiria que comportamentos ditos "morais" só existissem na nossa espécie se estivessem inexoravelmente associadas a características exclusivas da nossa espécie, como a linguagem falada, a consciência de si, o raciocínio lógico ou mesmo o bipedismo e os polegares oponíveis. Mas os sentimentos e emoções associados à moral, como o sentimento de injustiça aqui falado, surge em humanos que não possuem todas estas características, o que indica uma origem mais primitiva da mesma. Ou seja, nós podemos pensar e escrever sobre injustiça, mas também sentimos as injustiças. E não sei se há estudos de imagiologia funcional sobre o assunto, mas era capaz de apostar que as áreas do cérebro activadas pelo sentimento de injustiça são as mais primitivas.

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  7. A razão porque não poderíamos concluir que o macaco se sente injustiçado em relação a um robot prende-se com a própria natureza da experiência. Os investigadores procuram medir a tolerância à iniquidade (injustiça) partindo do princípio que ambos os sujeitos são, à partida, iguais. Mais do que isso, para defenderem a sua teoria os investigadores têm de assumir que os sujeitos se consideram a eles próprios como iguais. Só quem reconhece a igualdade pode reclamar tratamento desigual. Mas se os sujeitos forem à partida iníquos (macaco e robot) e os resultados finais forem iguais (isto é, o macaco injustiçado continuar a atirar pepinos ao operador), é porque provavelmente não estamos a medir justiça mas outra coisa qualquer.

    Descobri recentemente que a experiência original dos macacos capuchinhos ja tem largos anos e foi publicada na NATURE em 2003 (www.nature.com/nature/journal/v425/n6955/abs/nature01963.html). Também descobri que não estou isolado no meu cepticismo. Philip Kitcher, Professor de Filososofia na Universidade de Columbia, tece reparos semelhantes e conclui: "Claro que, se o capuchinho afortunado abdicasse da uva (atirando-a ao operador, p.e.) até que o seu camarada tivesse a mesma recompensa, isso sim seria muito interessante"

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  8. Vim aqui parar por acaso.
    Porque a vossa conversa me pareceu muito interessante, gostaria de vos deixar um contributo.

    Born good? Babies help unlock the origins of morality

    http://www.cbsnews.com/video/watch/?id=50135408n

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  9. Fascinante, Obrigado Fernando. São experiências ao mesmo tempo fascinantes e inquietantes. Concordo com o Paul Bloom quando diz que todas as crianças já nascem com "a universal moral core that all humans share". Por outras palavras a moralidade não é algo que se acrescenta ao ser humano mas é algo intrínseco a ser-se humano. Mas isso não quer dizer que o bebé já seja um agente moral. É necessária uma vida de experiências (e desenvolvimentos cognitivos) para se pôr em prática as "foundations for morality". O que também me leva a compreender que não há um acontecimento primordial que faça com que uma criança de três anos comece a manifestar comportamentos morais. Esses comportamentos já existirão mas são tão subtis que passam despercebidos (como escolher entre cheerios e golden grahams). Um aspecto interessante do programa é que foca os aspectos positivos da moralidade (como o altruísmo) mas também os negativos (como a inveja). Face às evidências científicas, não penso que o mesmo se passe com os animais.

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