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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Desmistificar a agressividade canina

O último mês de Agosto foi pródigo em notícias (aqui e aqui) de acidentes com cães de raças consideradas perigosas e que resultaram em mortes ou lesões graves em pessoas. A agressividade canina é um daqueles temas que mais padece de raciocínios erróneos ou mistificados. Por isso é que a opinião da colega e amiga Mónica Roriz (MR), na página web da revista profissional Veterinária Atual, é tão importante. Num artigo chamado Os Potenciais Perigosos, MR procura desmistificar o binónio agressividade - perigosidade associado a certas raças de cães, com especial incidência no papel do médico veterinário. Um dos aspectos que MR refere diz respeito ao procedimento, considerado de boa prática clínica, de isolar o cachorro durante o período de primovacinação, que normalmente ocorre entre o mês e meio e os quatro meses de vida. No entanto, este é também o período crítico de sociabilização do animal, que em grande medida determinará o seu comportamento futuro, altura em que o cachorro deve ser exposto ao maior número possível de estímulos. Os dois pontos de vista têm sido tomados como inconciliáveis, com os médicos veterinários a privilegiarem a protecção da saúde do animal (e do seu bem-estar físico) em detrimento do seu comportamento (mais relacionado com o seu bem-estar mental). As razões para esse facto permanecem por esclarecer mas atrever-me-ia a apontar a existência de lacunas consideráveis no ensino universitário do comportamento animal. Uma boa forma de colmatar essas lacunas é através da formação pós-graduada, existindo já ofertas de cursos on-line especificamente direccionados para médicos veterinários. A não perder também o Congresso da PSIANIMAL que decorre este mês em Lisboa, sendo o primeiro fim de semana inteiramente dedicado à agressividade canina e felina. A forma como MR descreve o fatídico caso do dogue argentino faz-nos pensar que mais (e melhor) poderia ter sido feito no acompanhamento (e aconselhamento) daquela família.

15 comentários:

  1. Excelente artigo de opinião. Obrigada pelo link e parabéns à autora!

    É lógico que se o veterinário tem formação sólida em prevenção de doenças infeciosas (clássico tema veterinário) mas não em comportamento animal (disciplina mais recente no curriculum e por vezes não tão valorizado*), então as prioridades dele serão as descritas. Faria bem uma discussão sobre como equilibrar as duas preocupações. Para proteger o cachorro não vacinado contra doenças caninas, precisamos de evitar que ele tenha contacto com outros cães e que ele tenha o mínimo de contacto físico possível com o chão que é frequentado por outros cães. Mas não precisamos de o isolar de contacto humano!

    Outro fator importante é a generalizada falta de conhecimento sobre o que é um animal. Um cão é um cão, não é uma pessoa peluda com maior tendência para lealdade do que para racionalidade. Penso que é agora bastante consensual que para educar bem um filho é preciso ter alguma noção de psicologia infantil. Da mesma maneira, para educar bem um cão é preciso ter alguma noção de psicologia canina. E este conhecimento não é necessário só para quem educa mas também para quem convive com crianças ou com animais. Só com esta noção podemos saber o que se pode esperar e exigir de um cão, e o que nós cabe a nós evitar que acontece.

    Gostaria de ver uma “experiência social” em que se aproveitasse desta discussão de permitir ou não cães de raças ditas perigosas para experimentar uma abordagem diferente: permitir a posse destes cães só a quem demonstrou que fez formação e adquiriu competências em comportamento e educação de cães e só sob a condição de demostrar que o cão seja bem treinado.

    * Lembro-me um colega meu de curso de agronomia descartar a disciplina de etologia “pois qualquer pessoa que cresceu numa quinta já aprendeu o que precisa de saber sobre o comportamento dos animais de pecuária

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    1. Esclarecimento: Quando falo da "generalizada falta de conhecimento sobre o que é um animal", não falo evidentemente dos médicos veterinários mas das pessoas em geral.

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  2. Acrescento que já que há cães e gatos no mundo em que vivemos, seja em zonas urbanas, seja em zonas rurais, faz parte de educação de cidadania saber conviver com eles. Mesmo quem não gosta de animais e que nunca vai adquirir um tem a ganhar com saber conviver minimamente, em vez de ter que fugir para o outro lado da rua se vê um cão.

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  3. Compreendo a importância didáctica deste tipo de artigo. É meritória a intenção de chamar a atenção para o problema da gestão irresponsável destes animais, ou de quaisquer outros.

    No entanto, há alguns pontos neste artigo que me suscitam alguma apreensão. Primeiro, considero muito primária a analogia apresentada entre carros e cães, porque afirmar que a perigosidade inerente de um cão reside tão só e somente no seu tamanho é ignorar que a componente comportamental do animal, como outras características fenotípicas – como o tamanho, a cor do pêlo – foi em muitos casos também alvo de selecção artificial.

    Considero assim cientificamente desprovida de cabimento a afirmação que existam apenas “características morfológicas que podem provocar mais danos em caso de condições ideias para o aparecimento de agressões”. Se assim fosse, fêmeas e machos de “raças perigosas – cujo porte e mandíbulas são similares” teriam a mesma incidência de ataques, o que não é o caso, isto porque os machos da maioria das espécies tem maior propensão (geneticamente determinada) para o comportamento agressivo.

    Aliás, acho sempre extraordinário, por exemplo, quando oiço veterinários gabarem o temperamento naturalmente dócil de algumas raças e depois ouvir os mesmos afirmar que não há cães tendencialmente agressivos. Raças há que foram seleccionadas ao longo de centenas (por vezes milhares) de anos para manifestarem preferencialmente determinado tipo de comportamento – como o caso dos cães pastores e os “retrievers” – e isso inclui, também, para algumas delas, a agressividade.

    Não nego que fenótipo comportamental do animal seja altamente susceptível aos factores ambientais, e nomeadamente aos referidos pela autora. Tampouco ignoro que seja perfeitamente possível – através da socialização e atenção às particularidades comportamentais dos animais – fazer de qualquer cão um animal afável e inofensivo. Mas gostaria de saber em que é que a autora se baseia para alegar que os factores ambientais determinam “80%” do comportamento do cão. Que dados científicos suportam esta afirmação?

    É claro que podemos esperar bastante variabilidade inter-individual na agressividade, bem como a influência de não-genéticos. Contudo, olhando para os dados científicos disponíveis, temos que:

    a) Ataques por Pit bulls têm por consequência maior morbidade e maior mortalidade que ataques por outras raças (http://journals.lww.com/annalsofsurgery/Abstract/2011/04000/Mortality,_Mauling,_and_Maiming_by_Vicious_Dogs.23.aspx)

    b) A esmagadora maioria dos ataques a crianças não resulta de provocação pelas vítimas (http://pediatrics.aappublications.org/content/88/1/55.abstract)

    c) Um pequeno número de raças classificadas como perigosas são responsáveis pela maioria dos ataques

    d) Legislação restritiva à manutenção desses cães resulta numa diminuição do número de ataques por cães (http://injuryprevention.bmj.com/content/early/2012/06/29/injuryprev-2012-040389.full?rss=1)

    Pode haver algum enviesamento resultante de algumas destas raças serem muitas vezes criadas por pessoas que revelam comportamento anti-social e/ou tem cadastro criminal. Há ainda outros factores de risco a ter em atenção (como o sexo do animal, ou o entorno geográfico, ver http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1090023308000476 e http://www.dogsbite.org/pdf/1991-which-dogs-bite-denver.pdf).

    Das estatísticas existentes, é necessária calibrar a percentagem de ataques por cada raça pelo número de indivíduos dessa raça numa dada área, algo que ainda não vi (mas, mesmo atendendo a este facto, a percentagem de ataques atribuídas a raças como os pit bulls é alarmante http://www.dogsbite.org/pdf/dog-attack-deaths-maimings-2011-summary.pdf).

    Contudo, e no meu entender, mesmo que se venha a verificar que a componente genética de algumas raças não determine a sua propensão para atacar humanos, o facto dos ataques por essas raças resultarem mais frequentemente, não em simples mordidelas, mas em mortes e desmembramentos, mais que justificaria o seu controlo. E talvez a sua extinção faseada.

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    1. Caro Nuno:

      Não sei se considere o teu comentário como provocador ou apenas despropositado. Parece que persegues um preconceito behaviorista em todos os argumentos que cometem o crime de lesa-pátria de comparar seres animados (como cães) a seres inanimados (como carros). A analogia entre cães e carros nada tem de primário e não implica nada do que tu dizes. É antes um artifício estilístico inteligente, destinado àqueles que defendem "que os cães são seres pré-programados desde o nascimento", e que serve o propósito de desmontar o argumento de que TODOS os cães de raças consideradas perigosas são animais perigosos. Algo que nem tu, me parece, defenderás.

      Também não percebo o que é que pretendes demonstrar com o primeiro artigo que citas sobre a mortalidade por Pit Bulls. As elevadas morbilidade e mortalidade dos ataques por Pit Bull parecem reforçar a ideia de que o tamanho da mandíbula e força do animal são determinantes para aferir da sua perigosidade e nada nos diz sobre comportamentos mais ou menos agressivos. Já agora, esta pode não ser uma boa fonte porque, se não estou em erro, o artigo foi acusado de "Imprudent use of Unreliable Dog Bite Tabulations and Unpublished Sources".

      Por fim, um comentário à putativa extinção de certas raças, no teu entender, perigosas: segundo a APSI, o afogamento é a segunda causa de morte acidental em crianças na Europa, sendo que a esmagora maioria dos casos ocorre em piscinas. Também és a favor da extinção faseada de piscinas? E se não, porquê?

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  4. Caro Nuno, so tenho a acrescentar que não acredito em raças potencialmente perigosas como não acredito tambem em raças potencialmente simpáticas. Fico de cabelos em pé quando leio que a raça"x" ou "y" é simpatica para com crianças porque poderá ser a causa de muitos dissabores futuros para pais que acreditam piamente na existência de tal gene.
    Deixo-lhe também o link http://www.senat.fr/rap/a07-058/a07-0583.html (a designação das "categorias de caes" em França segue a seguinte descriçao: http://vosdroits.service-public.fr/F1839.xhtml ). Poderá constatar que os caes não incluídos nos PP sao os que mais registos têm nas agressoes.
    Dum estudo realizado em 2009-2010 : Facteurs de gravité des morsures de chien aux urgences Enquête multicentrique, France, mai 2009-juin 2010, poderá verificar o seguinte:
    "Quatre-vingt-sept morsures ont occasionné des lésions importantes: plaie délabrante ou tout autre type de plaie, associée à
    une autre lésion (atteinte osseuse, tendineuse, articulaire, etc.). Pour ces morsures les plus graves, l’âge moyen des victimes
    était de 34 ans. La moitié des morsures étaient situées au niveau des membres supérieurs et 29 % au niveau de la tête.
    Le chien était connu de la victime dans la majorité des cas (86 %). Selon les victimes, les morsures étaient le plus souvent
    survenues sans raison apparente (41%) ou lors d’une intervention pendant une bagarre entre chiens. Selon les vétérinaires,
    il s’agissait d’une agression par irritation dans 64 % des cas, et à part égale (17 %) de type hiérarchique et territoriale.
    Les races de chien étaient renseignées dans la quasi-totalité des cas (86/87). Il y avait 45 races de chien citées. Les plus
    nombreux étaient les labradors (11), les bergers allemands (10), les boxers (4) et les jack russell (4).
    Les races les plus fréquemment citées dans cette enquête correspondent aux races les plus fréquentes en France.
    Il n'a pas été possible de rapporter la répartition des races citées dans l'enquête à celle que l'on trouve dans les régions
    des hôpitaux de l'enquête. Les chiens de catégorie n'étaient pas nombreux dans l'enquête (18). Sur ce petit effectif,
    les analyses univariées n’ont pas montré de différence significative de gravité entre les morsures de chiens de catégorie et celles des autres chiens"

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    1. Cara Mónica, há um problema com a generalidade dos dados estatísticos relativos às mordidas de cão disponíveis, uma vez que não permitem aferir como se relacionam com a proporção de indivíduos de raças de cães existentes numa dada região. Por exemplo, sem mais informação, uma conclusão plausível a que poderia chegar dos dados que apresenta é a que os cães da raça labrador são os mais numerosos naquela região, o que explicaria estarem representados em grande número nas estatísticas apresentadas. Sem mais dados, é de facto muito difícil de saber.

      Já a componente genética do comportamento é inegável. E a minha principal questão com o seu texto é que a mesma não merece a devida consideração, sem que tal seja devidamente justificado.

      Repare que não advogo que a genética seja o único factor determinante para a agressividade e para as consequências da agressão das raças de cães (ou outros animais), antes pelo contário. Evidentemente, os factores ambientais têm grande influência no comportamento agressivo (bem como noutros), e são em muitas situações preponderantes.

      Contudo, gostaria de saber que dados suportam a proporção que propõe de 20% de influência genética (algo que já tinha visto publicado na sua página do facebook e que na já altura me tinha incomodado). Não excluo que essa influência possa ser quantificada (ainda que o considere difícil), nem que possa ter essa magnitude, mas sem algo que o corrobore, não o posso aceitar como argumento.

      Como cientista, não tenho "a priori" nenhuma preferência nem "acredito" (termo seu) em nenhuma posição em particular. Até porque ainda que não seja muito "dog person", gosto de vários indivíduos pertentes a várias raças distintas, inclusive algumas tidas como perigosas.

      Procuro assim qual a posição que possa melhor encaixar no conhecimento científico hoje disponível. E este não permite, de todo, excluir a raça como um factor influente na agressividade canina.

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  5. A Associação Psianimal promove, dia 23 de Setembro, pelas 17.30, uma Mesa Redonda subordinada ao tema "Programa de prevenção da mordedura canina", que terá lugar na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa:

    "Após várias notícias relacionadas com ataques de cães de raças potencialmente perigosas, a realização deste debate tem como objectivo a reflexão e discussão da situação actual em Portugal, bem como, a implementação de medidas para evitar estes acidentes, destacando-se a educação da população. O objectivo é perceber as causas para se poderem prevenir e evitar os danos causados pelas dentadas caninas.

    A mesa redonda irá dividir-se em dois momentos. Primeiramente, pretende-se partilhar os diferentes pontos de vista de diversos profissionais que lidam directamente com este problema, seja com os cães, donos ou vítimas. Num segundo momento o objectivo é alargar a discussão à audiência, onde contamos com a presença de profissionais com diferentes experiências que nos irão ajudar a delinear medidas para se prevenirem estes acidentes.
    No debate estarão os seguintes convidados: Sónia Ramalho - jornalista (moderadora), Gonçalo da Graça Pereira (Presidente da PsiAnimal), Nuno Vieira e Brito (Director Geral de Alimentação e Veterinária), o presidente da Associação de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia, Dra Clara Alves Pereira (Médica Pediatra) e entre outros a confirmar."

    A mesa redonda está inserida no primeiro fim-de-semana do II Congresso da Psianimal, onde vários temas sobre comportamento e bem-estar animal serão abordados. Dos vários temas realçamos a palestra "Prevenir a agressividade em cães: a solução!" pela Dra. Tiny De Keuster, domingo, às 16.00, e a demonstração de cães de assistência pela Bocalán Portugal, no sábado, pelas 18.00.

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  6. Caro Manuel,

    Tenho pena de não poder ir ao evento da PsiAnimal. Espero que o mesmo promova um debate informado, isento e equilibrado, e que tenha em consideração os vários pontos de vista.

    A respeito do meu comentário, asseguro-te que não é a minha intenção, de todo, a de provocar, nem tampouco considero ser o meu comentário desprovido de propósito. "Au contraire". Considero vir muito a propósito trazer à baila um facto sempre “esquecido” por aqueles que advogam que o comportamento agressivo de algumas raças depende somente (ou primordialmente) de factores ambientais, nomeadamente o de que a criação destas raças teve não só em consideração a selecção de traços físicos desejáveis, como também comportamentais.

    Reitero, não sei como tantos veterinários e biólogos estão mais que dispostos a aceitar que comportamentos como apontar e recuperar caça, ou guardar e direccionar rebanhos possam ter sido seleccionados pelo homem (o que imediatamente pressupõe uma componente genética para estes traços comportamentais), mas depois sejam incapazes de admitir que há raças geneticamente mais predispostas para a agressividade intra e inter-específica. É um paradoxo difícil de perceber.

    (ver por exemplo “The ethology and epidemiology of canine aggression”, em http://sittingbull.com.au/index_htm_files/Ethology-epidemiology-of-canine-aggression-randal-lockwood.pdf)

    Aliás, sendo prática comum de muitos veterinários recorrer à castração como medida de controlo do comportamento agressivo (não estou aqui a discutir se a mesma é aceitável do ponto de vista científico e ético ou não) como poderão os mesmos depois minimizar a componente biológica desta característica? Só os genes expressos predominantemente nas gónadas podem ser contabilizados? E os restantes não? Evidentemente, não sei a posição da Mónica Roriz quanto ao uso da castração para modelação do comportamento, mas seria interessante saber a sua posição.

    Como disse, não nego que haja outros importantes factores importantes para a manifestação de vários comportamentos em cães, nem tampouco que não possa haver uma sobre-representação de algumas raças nas estatísticas (para uma discussão, ver Overall et al, 2001. http://www.k9behavioralgenetics.net/resources/Articles/Dog%20Bites%20to%20Humans.pdf)
    Contudo, de um ponto de vista científico, é um erro grosseiro negar que o genótipo – e assim a raça – raça seja um factor com influência no comportamento. Tal é verdade para a generalidade dos mamíferos, incluindo os humanos.

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  7. Evidentemente, não me verão quantificar essa influência sem que o possa corroborar com dados concretos, como acontece com a proporção 20-80% proposta pela autora aqui em questão. Não tenho, contudo, quaisquer problemas em advogar a posição que, “all other things being equal”, determinadas raças terão uma maior agressividade e uma maior tenacidade na luta (seleccionadas ao longo de gerações), factores comportamentais que influenciam a morbidade das mordidelas destas raças, que assim não se resumem à força da dentada. É uma posição que encontra fundamentação em princípios biológicos básicos e em lina com a a de Temple Grandin, que nos diz que “On average Rottweilers and pit bulls are so much more aggressive than other breeds that it's extremely unlikely bad owners alone could account for the higher rate of biting.” (in “Animals in Translation”). E não, Manuel, não estou a recorrer a um “ad verecundiam” .

    A analogia dos carros falha porque ignora completamente a base biológica do comportamento. Ou seja, para demonstrar que “nem todos os cães de raças consideradas perigosas são animais perigosos” (algo com o qual concordo, evidentemente), induz ao erro de que é SOMENTE a sua morfologia que faz destes cães perigosos. O que não é o caso, no que diz respeito a raças criadas e seleccionadas para lutar.

    Quanto ao primeiro artigo que cito, o mesmo vale por si mesmo, mas sobretudo em conjunto com a restante literatura. Como disse, e reitero, a existência de raças cujo ataque é mais propenso a maior morbidade e mortalidade, e mais concretamente em crianças, é para mim mais que razão suficiente para a sua extinção progressiva (com recurso a castração). Se forem gradualmente substituídos por raças menos perigosas, se não perderem a vida – ou vejam a sua qualidade de vida afectada - devido a esta medida, não vejo problemas de um ponto de vista utilitarista. Fica o problema, contudo, de definir quais as características fisionómicas que possam ser determinantes, até porque a própria definição de “pit bull” é vaga. Quanto à validade da fonte, citas uma carta à revista à qual infelizmente não consigo aceder (podes-ma arranjar?), mas que pelo que pude constatar já mereceu resposta da parte dos autores.

    Esta questão da perigosidade resultante da fisionomia faz-me lembrar (com as devidas distâncias, evidentemente) o debate sobre armas nos Estados Unidos, onde até muitos dos que advogam o direito de possuir armas estão não obstante contra a venda liberalizada de metralhadoras semi-automáticas como armas de caça (!!!), devido à sua maior perigosidade e os dados estatísticos que as apontam como sendo preferencialmente usadas em crimes.

    Tem também a ver com o teu argumento (emprestado) com base nos números de vítimas por afogamento, e que te asseguro estar mais a meu favor. A construção de piscinas obedece a critérios técnicos que incluem a segurança. Têm uma zona mais baixa para as crianças e pessoas de baixa estatura, um friso na parede que lhes permite refugiar-se caso fiquem cansadas na zona mais funda, têm um piso ao seu redor que exerce mais atrito nos pés molhados e assim minimiza a probabilidade de quedas acidentais, têm o tamanho das entradas e saídas de água regulamentadas, têm os seus níveis de cloro limitados, têm escadas em locais oportunos para que as pessoas possam sair oportunamente e em segurança. Eu baniria quaisquer piscinas que não tivessem estas e outras configurações para a segurança dos utentes. Como aconteceu ao Aquaparque de Braga quando morreu lá uma criança. Podes ensinar as crianças a nadar, a ter cuidado ao pé de piscinas e tudo mais. Mas é igualmente (senão mais) importante que as piscinas sejam tão seguras quanto nos é permitido assegurar. O mesmo acontece com os cães.

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    1. Nuno, fazes lembrar o Thomas Henry Huxley na forma como se agarrava às canelas dos interlocutores e roía os seus argumentos até ao osso. Mas não me parece que precises de agir como o "Darwin's Bulldog". Da minha parte, não procuro rebater a tua visão de que a evolução do comportamento agressivo terá um papel preponderante na agressividade canina (e humana, porventura). Só te convido a não fechares a porta ao facto da perigosidade dos Potencialmente Perigosos estar também associada aos estragos que são capazes de provocar. E ambas as visões corroboram a necessidade de promover uma detenção de cães mais responsável. Mais do que banir piscinas, o importante é promover a construção de piscinas seguras.

      P.S. Elucida o meu subconsciente: o argumento das piscinas é emprestado de quem?

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    2. É curioso que me compares ao Huxley (não mereço tamanho elogio), quando o mesmo era apelidado de "Darwin's Bulldog" exactamente pela tenacidade reconhecida a essa raça. :)

      Como podes comprovar nos meus comentários, reconheço plenamente que a morfologia dos "potencialmente perigosos" tem um impacto nas consequências dos seus ataques. Isto não é dizer, contudo, que a sua perigosidade se limite a este factor. E sim, há que trabalhar no sentido de promover uma "dog ownership" responsável. Mas também responsabilidade na altura de seleccionar quais as características desejáveis (já para não falar da discussão sobre ser ou não legítimo continuar a seleccionar as características físicas e comportamentais destes animais).
      
      Ah, e o "emprestado" veio de uma confusão que fiz entre "APSI" e a "PsiAnimal", resultado de uma primeira leitura transversal. Assim, interpretei erroneamente que estavas a usar de um argumento usado pela PsiAnimal (é rebuscado, mas a mente faz-nos destas coisas). Faça-se então justiça, o argumento é teu, mas continuo a achar que serve mais o meu caso. :)

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  8. Se há UMA palavra que se aplica aos chamados comportamentos problemáticos em animais, é "multifatorial". Isto quer dizer que são muitos fatores que contribuem para o fenómeno. E a consequência disto é que removendo um dos fatores pode não ser suficiente para resolver o problema.

    O que faz um cão morder?

    O que faz um individuo comportar-se de uma determinada maneira num determinado momento depende de uma combinação de fatores externos e internos. Os fatores externos estão no ambiente em que o animal se encontra, os fatores internos é uma combinação da sua herança genética e a sua experiência anterior, temperado com o estado fisiológico daquele momento.

    Traduzido para a questão do cão: o carater geral do ambiente em que está (há ruido, movimento, outros possíveis fatores de stress), os seres que estão na proximidade do cão e com que ele interage ou pode interagir, o seu background genético (em grande medida - mas não exclusivamente, há variabilidade dentro da raça - determinado pela raça), sexo, estado hormonal, a sua experiência anterior (de situações semelhantes, de interações positivas e negativas etc).

    Nisto tudo, a raça é só um de múltiplos fatores. Contribui, não determina. Será o fator mais relevante de ‘atacar’ se queremos resolver o problema? Não sei, e duvido que temos informação suficiente para tirar esta conclusão.

    Será o fator mais convidativo a intervenções politicam? Sem dúvida.

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  9. Cara Anna Olsson a palavra multifactorial é sem sombra de duvida a palavra chave. O que me aflige Nuno nesta lei é a generalização feita a todos os individuos das raças designadas como potencialmente perigosas. esta generalização parace-me ter sido feita por pessoas que consideram os cães não como seres mas sim como maquinas em que tudo está programado e indubitavelmente acham que podem prever os seus comportamentos futuros que irão de certeza ser agressivos. Tem toda a razao ao que diz respeito à percentagem citada no texto. Não me lembro da fonte; foi me dita por varios formadores ao longo do meu diploma de veterinaria comportamentalista e enquanto não conseguir me lembrar de onde foi retirada não deveria usa-la. ( mas ja estou à procura da fonte). O que me aborrece um pouco no seu discurso é não considerar o pqé das listas dos PP variarem de pais para pais, e de variar ao longo do tempo. Em Italia na lista dos PP estão no top 10, serras de estrela e rafeiros alentejanos. Acha que estas raças saõ mais numerosas em territorio Italiano que em territorio Luso? considera que estes caes são potencialmente perigosos ? se os Italianos marcaram estes caes ( pelas razoes que indica) como potencialemnte perigosos porque não os consideramos nós como tal? Acha que um labrador não é capaz de desfigurar e matar uma criança? acha que o desaparecimento destas raças não fará com que raças existentes possam ser as potenciais perigosas de amanha? Fala das estatísticas e das falhas inerentes ao facto de não termos um "recenseamento" das raças naquela população..este argumento também se aplica as estatísticas que não são a favor dos PP. No estudo que lhe mandei uma das conclusões importantes é o facto da gravidade das mordeduras não ser estatisticamente diferente entre PP e não PP...se aceitarmos esta lei, daqui a nada mais nos vale mandar abater todos os caes.

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  10. escrevi a correr: desculpem os erros e a falta de pontuação:)

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