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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Academicos opinativos - entrevista com Mickey Gjerris


Anna Olsson: Olá Mickey Gjerris*. Recentemente, ao embarcar num avião em Copenhaga, peguei por acaso num exemplar de um dos maiores jornais dinamarqueses, e vi publicado um comentário teu sobre bem-estar animal e a indústria agro-pecuária Dinamarquesa. Podias por favor resumir os principais pontos deste comentário aos leitores do Animalogos? 

Mickey Gjerris: O ponto de partida da minha carta ao editor foi o questionar da alegação que frequentemente é feita pelo sector agrícola dinamarquês de que são os “campeões mundiais” em bem-estar animal. Isto foi usado para discutir como o bem-estar animal é um conceito complexo e que é entendido de modo distinto por diferentes pessoas. Alegar ser campeão mundial de bem-estar animal é assim um gesto bastante desprovido de significado.

Tendo isto como pano de fundo, prossegui criticando diversos aspectos da indústria pecuária dinamarquesa, mostrando como o bem-estar de animais é sacrificado no altar da produtividade. Finalmente mostrei como outros países europeus têm, nalgumas áreas, padrões mais elevados de bem-estar animal do que a Dinamarca, nomeadamente ao nível de práticas de corte de caudas e castração dos leitões, a oportunidade dada aos bovinos de leite para poderem pastar, etc. 

AO: Qual foi a reacção ao teu comentário? 

MG: A reacção tem sido um enorme número de e-mails (+50) da parte de pessoas que consideram uma novidade positiva que alguém do mundo académico fale abertamente contra os métodos de produção tipicamente usados. Ademais, o presidente da Organização Dinamarquesa para a Agricultura – uma entidade que reúne produtores e demais partes interessadas da cadeia de produção – publicou uma resposta no mesmo jornal, basicamente dizendo que têm de fazer aquilo que é preciso para competir numa economia aberta, que as coisas não são tão más como se julga (ele não tem no entanto documentação que o comprove) e afirmando que os produtores de gado dinamarqueses amam e respeitam os seus animais. 

AO: Que pensas da contribuição de investigadores vindos do mundo académico neste debate? Temos um papel legítimo como fazedores de opinião, ou responsabilidade nesse sentido? 

MG: Considero a participação em debates públicos uma parte importante do meu trabalho como eticista. De certa maneira revejo-me na figura do antigo bobo-da-corte, alguém com a função de dizer aquilo que toda a gente já sabe, mas que ninguém quer saber. Para além disso, o meu trabalho é qualificar o debate público e ajudar a desenredar conceitos e ideias complexos de modo a torná-los acessíveis a outros, bem como identificar afirmações erróneas e que tornam o debate demasiadamente simplista. No caso da produção agro-pecuária dinamarquesa ser vista como a ‘campeã do mundo’, eu considerei importante que alguém com conhecimento suficiente questionasse essa crença de modo a tornar o debate público mais informado. Geralmente considero importante que os académicos participem em debates públicos e os tornem mais qualificados. Temos sempre que ter em atenção, porém, a distinção entre o conhecimento que temos como especialistas e as opiniões que advogamos como cidadãos. Isto não é um exercício fácil e por vezes estas duas vertentes são difíceis de dissociar, mas devemos não obstante tentar fazê-lo.

* Mickey Gjerris é professor associado na Universidade de Copenhaga. Com formação inícial em teologia, fez o seu doutoramento em bioética. Hoje desenvolve trabalhos sobre tópicos como alterações climaticas, ética animal, bioética e ética da natureza. É membro do Danish Ethical Council (www.etiskrad.dk), acredita profundamente em tofu fumado, gosta de abraçar arvores e ver as nuvens passar e tem uma relação quase apaixonada com o seu iPhone.

6 comentários:

  1. Dois comentários:

    Um em relação ao Mickey, um dos mais brilhantes académicos que já conheci, quer pela força das suas ideias quer pela forma coerente como as defende.

    Outro relativamente à indústria pecuária dinamarquesa. Nem tudo o que luz é ouro e nas minhas entrevistas a alunos e professores de veterinária, foram-me narradas histórias de castração de leitões sem anestesia (algo que em Portugal já não se vê fazer), e de como a pressão económica está a arruinar a prática clínica veterinária já que os animais doentes acabam muitas vezes por ser abatidos em vez de tratados.

    O problema não é só dinamarquês e reflecte uma tendência da pecuária moderna: o valor de cada animal é inversamente proporcional à produtividade da exploração. Pernicioso.

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  2. É evidente (embora deprimente) que temos como seres humanos uma enorme capacidade de adaptar o que achamos aceitável à prática local. Isto não é necessariamente relativismo cultural (a ideia que não há ética geral, tudo depende da cultura em que estamos); pode ter a mesma definição do que é bem-estar animal como base mas ter maneiras diferentes de definir o que ameaça este bem-estar.

    Dou-me a mim como o primeiro exemplo. Saí da Suécia para estudar na Holanda em 1993, 5 anos depois da entrada em vigor da nova lei sueca de proteção animal que tinha sido âmbito de grandes discussões e grandes afirmações do país como campeão mundial em proteção animal. Com 23 anos e muito idealismo, claro que estava a espera de encontrar horrores naquela pecuária continental feita para gerir dinheiro. Claro que achei impressionante e triste ver porcas enjauladas, o que tinha sido o símbolo de instalações inapropriadas para mim e que agora podia ver na realidade. Mas igualmente chocada fiquei comigo quando me apercebi que eu própria tinha assumido como a coisa mais natural do mundo ter as vacas leiteiras presas durante 9-10 meses por ano, por isso ser a maneira tradicional sueca. As vacas holandesas estavam todos em estabulação livre…

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  3. Muito interessante. Fazem falta acedémicos opinativos (sem ser economistas...) na sociedade portuguesa, não só neste tema como em muitos outros. Já cansa ver as "talking heads" de sempre na televisão...

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  4. Não podia concordar mais consigo. Embora não é evidente que teriamos acesso aos canais televisivos. há muito espaço por explorar nas paginas de debate dos jornais.

    O que acontece é que este tipo de participação é pouco valorizado na carreira de um académico. Se eu considero o tempo e esforço preciso para escrever um artigo de opinião para a imprensa nacional na luz do retorno que isto traz para o meu CV (que é práticamente nenhum), não escrevo artigos de opinião.

    Mas creio que não faltam académicos opinativos entre os autores e comentadores do animalogos, Ricardo incluído, o que espero pode eventualmente se espalhar para além do blog, e inspirar à participação em debates fora desta esfera.

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  5. Não sabia exactamente onde colocar esta questão, mas uma vez que este post fala sobre as práticas da indústria pecuária fora de Portugal, parece-me o mais adequado.

    Ontem vi um episódio do programa britânico "Kill it, Cook it, Eat it", que pretende mostrar a um grupo de pessoas ao vivo e aos telespectadores, todo o processo de abate, desmanche e preparação da carne, sendo dada oportunidade aos presentes de comer a carne do animal que viram ser abatido.

    O episódio de ontem foi sobre porcos. Ora, durante o programa, foram feitas duas afirmações sobre as quais eu gostava de ouvir a opinião dos especialistas.

    A dada altura foi dito que o Reino Unido tinha as melhores práticas em termos do bem estar dos animais durante o abate (apesar de um representante da Compassion in World Farming ter dito que nos maiores matadouros a pressa é tanta que os animais podem não ficar devidamente atordoados e acordar antes de morrerem), contrastando com a Europa Continental, que ainda teria um longo caminho a percorrer. Eu gostaria de saber se é verdade, ou se há algum chauvinismo da parte das autoridades britânicas.

    Outra coisa que disseram, na voz de uma oficial do Meat HYgiene Service, foi que o atordoamento provoca o equivalente a um ataque epiléptico, pelo que os movimentos das pernas que vemos pouco depois do atordoamento são espasmos involuntários e até indicam um bom atordoamento. Isto é verdade? Se sim, então como podemos saber se um animal está a recuperar consciência antes de morrer? Que sinais nos indicariam isso?

    Por último, confesso que fiquei um pouco surpreendido por nenhuma das pessoas que testemunhou o abate, aparentemente, se ter recusado a comer a carne cozinhada a partir daquele porco. Faz-nos pensar se Paul McCartney tinha razão quando disse: “If slaughterhouses had glass walls, everyone would be a vegetarian.” Atribuo essa recusa a 2 factores:

    - O processo de abate mostrado parecia de facto seguir as melhores práticas: os porcos nunca se mostraram agitados, o atordoamento foi eficaz, o sangramento foi rápido, de uma maneira geral, parece não ter havido sofrimento da parte dos porcos.

    - A responsável do MHS foi explicando o que estava a ser feito e reassegurando as pessoas que os animais estavam a ser abatido da forma o mais humana possível. Sem essa responsável lá, algumas pessoas poderiam ter pensado que os porcos estavam a voltar a si quando agitaram a perna durante o sangramento. Além disso, acho que a presença da responsável faz com que as pessoas racionalizem mais o que estão a ver, ao invés de reagiram emocionalmente.

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  6. Já agora, deixo aqui um excerto do episódio só com a parte do abate: http://www.youtube.com/watch?v=7iS3LUE9P8g

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