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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Conferência Internacional em Alternativas à Experimentação em Animais - Dia um

Como já anunciado aqui, a Sociedade Portuguesa para Educação Humanitária (SPEdH) organizou em Almada a 26 e 27 de Janeiro  a International Conference of Alternatives to Animal Experimentation. Esta associação que é recente e dependente do trabalho de voluntários, montou uma conferência bem organizada que contou com interessantes apresentações por oradores nacionais e estrangeiros com trabalho relevante.

Marc Bekoff

A conferência abriu com Marc Bekoff, um conhecido etólogo e crítico da experimentação em animais. A sua apresentação, contudo, não se focou muito no uso de animais em ciência, mas antes nas suas emoções, uma vez que “minding animals implies taking care of other animals and attributing minds to them”. Um ponto recorrente na sua apresentação foi insistir que reconhecer vidas emocionais aos animais nada tem de antropocêntrico, uma vez que não estaremos a atribuir características que os humanos têm e os animais não. Deu como exemplos estudos que sugerem que várias espécies animais são capazes de sentimentos como empatia, ou “aversão à inequidade” (um sentido de justiça/injustiça?). Argumenta assim que sabemos o suficiente sobre as características cognitivas, emocionais e (possivelmente) morais dos animais para que os deixemos de tratar como “whats”, mas sim como “whos”.

Sensivelmente metade da sua apresentação centrou-se num tema recorrente da sua investigação, nomeadamente o “brincar” e a importância que esta actividade tem para o desenvolvimento cognitivo, emocional e mental dos animais, bem como a cimentação das relações sociais.

Ao nível da experimentação animal, pintou um cenário que, podendo ser verdadeiro nalguns contextos não considero de todo representativo da actividade científica com animais. Bekoff não é contudo um radical, e aceita que o progresso no desenvolvimento de alternativas – que considera terem uma maior validade científica – seja um processo gradual, e que não vale a pena ditar opiniões “from an ivory tower when there is a real world out there”.   

Andrew Knight apresentando
o seu recente livro
Foi seguido por Andrew Knight, que na sua apresentação resumiu o seu livro "The costs and benefits of Animal Experiments". Neste defende que a maior parte da investigação com base em animais não se traduz em benefício para os seres humanos, algo que fundamenta nalgumas revisões sistemáticas feitas nos últimos anos. Deu ainda exemplos de algumas drogas testadas em animais e depois comercializadas, mas que tiveram de ser retiradas do mercado pela sua perigosidade para os humanos. Neste lote incluiu a Talidomida, uma droga receitada a grávidas para combater o enjoo mas que causava malformações nos fetos. 

Na generalidade, os dados que apresentou correspondem de facto à informação de que hoje dispomos do valor preditivo dos testes de eficácia de drogas em animais para os seres humanos. Omitiu, no entanto, que estes dados não constituem prova da falta de validade dos modelos animais, mas que são antes   reveladores de experiências mal desenhadas e mal conduzidas, sobrestimação da eficácia das drogas e um enviesamento resultante da publicação de dados positivos pelas revistas científicas, em detrimento de resultados contraditórios por outros laboratórios. Eu não pude deixar de ressalvar isso na sessão de comentários e questões, acrescentando que é  revelador o facto de, das drogas de facto eficazes e seguras no mercado, cerca de metade serem também usadas noutras espécies em medicina veterinária. Comentei ainda que a Talidomida é um caso paradigmático de falta de testes em animais, uma vez que não se tinha verificado a sua perigosidade em fêmeas prenhas. Aliás, e como Horst Spielmann depois acrescentou, foi este caso que levou à obrigatoriedade de extensos testes com animais para aferir da segurança de medicamentos. 

Seguir-se-ia Andrew Bennet, que por problemas com o vôo foi adiado para o segundo dia,  tendo por isso trocado com Mark Cunningham, que mostrou novas e interessantes abordagens in vitro e in silico para a compreensão da epilepsia, provenientes respectivamente de  tecidos e dados retirados de humanos. 

Na segunda sessão - "The new paths of Europe, for Citizenship and Ethics" - Marcelle Holloway, em representação da Comissão Europeia, fez uma resenha da nova directiva 62/2010/EU, e da importância central dos 3Rs na mesma. De seguida, Ana Paula Martins, da DGAV, traçou o passado e actual cenário legislativo e regulador em Portugal, admitindo os atrasos e as várias falhas da autoridade competente na regulação da experimentação animal, fruto de uma crónica falta de recursos e de pessoal. No entanto, e como já o tinha mostrado nas várias apresentações que tenho assistido recentemente, mostra-se optimista quanto ao impacto positivo que as novas regras terão na melhoria das condições de bem-estar animal em Portugal. Não revelou muito sobre o modo como a directiva deverá ser transposta para a legislação nacional (algo que já deveria estar feito em Novembro, mas cujo atraso não é exclusivo para o nosso país), tendo referido contudo que a anterior directiva de 1986 tinha sido transposta sem alterações para a lei nacional. 

O Animalogos representado no ICAEE

Seguidamente, temas como a validação de alternativas pela ECVAM, a disseminação de informação sobre os 3Rs por centros nacionais (algo que Portugal carece) e o Projecto Toxoma Humano foram abordados por, respectivamente, Claudius Griesinger, Daniel Butzke e Mounir Bouhifd.

O dia terminou com as sessões de posters científicos, um deles sendo da autoria dos contribuidores do Animalogos e que, precisamente, fazia referência ao blog como plataforma de debate sobre a questão animal, e o seu uso como recurso didáctico e de avaliação no ensino.

Em conclusão, um dia preenchido e promissor, de um evento que reflecte a crescente preocupação pelo (bem-estar do)s animais usados em ciência. 

1 comentário:

  1. Fico com curiosidade sobre o "cenário que, podendo ser verdadeiro nalguns contextos não considero de todo representativo da actividade científica com animais."

    Exemplos concretos?

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