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sexta-feira, 28 de junho de 2013

A violência contra os investigadores não é uma brincadeira...


...a não ser para a PETA, claro. 

"Alguma vez lhe apeteceu esmurrar um investigador que use animais? Tem aqui a sua oportunidade!". É assim que organização pelos direitos apresenta na sua conta de TwitterCage Fight, um jogo onde o jogador toma o lugar de um conhecido lutador de artes marciais que tem que agredir investigadores grotescamente caricaturados, em "laboratórios" apresentados como  masmorras sangrentas onde animais vão para serem torturados. 

Três cenários são apresentados (excluindo o nível final dentro de um ringue octogonal): uma universidade, uma instalação militar e um laboratório de uma companhia farmacêutica. Põe assim a PETA tudo "no mesmo saco", colocando ao mesmo nível a investigação biomédica para benefício da saúde e segurança de humanos (e outros animais) e os testes de armas em animais levados a cabo nos Estados Unidos e outros países. A estratégia não é nova: associa-se uma prática que a generalidade das pessoas considera a priori inaceitável (como o uso de animais para fins militares) a outras mais de carácter e interpretação mais complexas - do ponto de vista ético, político, social e científico - de modo a sugerir que as últimas, por arrasto, são equiparáveis à primeira.


     
"Cage Fight"

Para evitar constrangimentos legais - ou não fosse nos Estados Unidos - surge no início do jogo o inevitável disclaimer, onde é ressalvado que agredir cientistas na vida real ainda é ilegal [ênfase meu]. O tom de desilusão da PETA não passa aqui despercebido.


Logo a seguir, um momento de autopromoção (é a PETA, não poderíamos esperar outra coisa), da parte de uma modelo pixelizada que felicita o lutador pela vitória no combate promovido pela organização. O que se segue é uma sucessão de situações absurdas, ofensivas e inacreditavelmente ignorantes, como se pode observar nas imagens. A mensagem que se pretende transmitir faz parte da "cassete" repetida ad nauseam por activistas dos direitos dos animais (inclusive em Portugal, como já reportei aqui e aqui): os investigadores são pessoas sádicas,  violentas, insensíveis e egocêntricas que torturam animais às escondidas e sem outro propósito que não o proveito próprio. A certa altura, depois do lutador eliminar o cientista, este grita em agonia "ai, o meu financiamento" ("my grant money!", no original). 


Não me vou estender muito sobre a falsidade deste tipo de discurso, que já abordei antes (e foi já também abordada num post recente do Speaking for Research sobre este jogo). Para além disso, estas são imagens que falam por si. Mais importante é salientar que a violência contra os investigadores por parte de activistas radicais não é uma brincadeira, mas antes uma triste realidade (já abordada aqui e aqui). Casas e automóveis vandalizados e incinerados, ameaças, agressões, envio por correio de lâminas contaminadas com HIV ou destruição de laboratórios são apenas algumas das violentas estratégias usadas contra investigadores, suas famílias e instituições científicas. 


Como seria de esperar, a PETA nega que este tipo de iniciativa seja uma apelo à violência, algo de estranhar numa organização que vê maus tratos aos animais (e a sua promoção) nos mais variados jogos para crianças. Mas que diriam eles de um hipotético jogo "caça ao activista"? 

Apenas mais uma adenda: depois de jogar o jogo, apercebo-me que no mesmo a libertação dos animais é facultativa, mas a eliminação de todos os cientistas é obrigatória. 


11 comentários:

  1. Confesso que quando vi o email da peta2 com o link para este jogo também achei de mau gosto. A PETA afirma ser contra a violência, mas este jogo parece ir contra esse princípio. Dito isto, há muitos pontos neste post com os quais eu discordo. Vamos então por partes:

    Nem toda a investigação que se faz em universidades é "para benefício da saúde e segurança de humanos (e outros animais)". Aliás, pelo texto que aparece no jogo na parte do laboratório uiversitário dá para percerber a referência à investigação com gatos da Universidade de Wisconsin-Madison, recentemente denunciada pela PETA (http://www.peta.org/features/uw-madison-cruelty.aspx). Esta investigação, altamente invasiva, implicou a implantação de barras metálicas no crânio de gatos, de forma a imobilizar a sua cabeça durante experiências de localização sonora. Olhando para as fotos grotescas, não tenho dúvidas que muitas pessoas considerariam esta experiência inaceitável, dado o afeto que tanta gente sente por gatos e a natureza invasiva das experiências, além da inexistência de benefício direto para a saúde humana. Ao longo dos anos tenho recebido emails referentes a investigações undercover que a PETA realiza, muitas das quais envolvendo animais de companhia, como cães e gatos. Estas experiências são (ou seriam, se fossem do conhecimento público), provavelmente, vistas como inaceitáveis, tal como o uso de animais para fins militares.

    O grito do cientista "my grant money!" é uma óbvia referência ao caso Wisconsin-Madison. Um documento obtido pela PETA juntamente com as fotos do caso (tiradas pelos próprios investigadores) justifica o uso de até 30 gatos por ano afirmando que era necessário ""keep up a productive publication record that ensures our constant funding." fonte(sem serr o site da PETA): http://host.madison.com/news/local/education/campus_connection/campus-connection-peta-calls-for-inquiry-into-uw-madison-study/article_b5696588-fd30-11e1-a414-001a4bcf887a.html

    Neste artigo, responsáveis da UW-Madison referem por várias vezes que não violaram quaisquer regulamentos federais:

    "Eric Sandgren, who oversees animal research at UW-Madison as director of the university’s Research Animal Resources Center, was adamant that UW-Madison did not violate any federal regulations and says he welcomes an investigation. (...) “I don’t mind when people raise concerns about things we do here,” says Sandgren. “Sometimes those are ways we identify things we missed or could do better. But in this case, everything I’m seeing is telling me it’s PETA who is completely off base.”"

    No entanto, a investigação da USDA encontrou "a pattern of recurring infections" e concluiu que todos os gatos referidos na queixa da PETA tinham sido "diagnosed with chronic infections" após lhes terem sido implantados barras metálias no crânio. A USDA condenou (cited, no original, a universidade por violação de leis federais de proteção dos animais por esta ter queimado um gato com uma almofada de aquecimento ao ponto de este ter de ser submetido a uma cirurgia. É referido ainda que alguns gatos morreram devido às infeções: http://www.peta.org/b/thepetafiles/archive/2013/03/18/victory-uw-madison-cat-cruelty-confirmed.aspx

    Fica assim demonstrada a incapacidade da universidade para avaliar as suas investigações. É curioso que o post do Speaking for Research fale da "ethically conducted research carried out at universities like UW-Madison" perante estes factos...

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  2. É importante ainda salientar que, de acordo com a PETA, nenhum paper foi publicado como resultado das experiências conduzidas na gata Double Trouble, a gata cujas fotos a PETA divulga no site da campanha. Esta gata desenvolveu uma infeção bacteriana resistente a antibióticos no local onde lhe foi implantada uma barra metálica, ficando doente ao ponto de os investigadores concluírem que não podiam continuar a experiência e que o dispositivo não funcionava, pelo que foi morta e decapitada, para que o seu cérebro pudesse ser analisado.

    Portanto, só com este caso, temos todos os estereótipos da PETA confirmados: experiências cruéis, inúteis, sem a devida supevisão ética e investigadores aparentemente insensíveis e mais interessados no financiamento do que no bem-estar dos animais.

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  3. Como cientista, o que mais me incomoda é mais uma vez a atitude completamente desviada no que diz respeito a retratar a realidade. A instigação à violência é, claro, muito triste, mas duvido que esta instigação seja decisiva para que alguém opta por usar violência numa campanha real. (Pura especulação minha, carece de dados que eventualmente existirão sobre que fatores leva uma pessoa a usar violência numa campanha política).

    "temos todos os estereótipos da PETA confirmados". Mas o que os confirma? Alguns estudos feitos under cover pela própria organização que procura confirmar o que já pensa.

    Antes de mais, deixa-me esclarecer que não duvido que haja investigação mal feita e sem respeito para os animais. E mesmo que só existisse nos casos relatados por PETA e semelhante associações, é grave, não devia nunca existir.

    Mas é a excepção, não é a regra. Se não fosse assim, não teríamos investigação com animais nas universidades. Tão pequena não é a transparência, e as pessoas que trabalham tem consciência. Claro que PETA sabe isto. E claro que não interessa a associação de procurar dar uma imagem representativa da realidade com que trabalha.

    Isso remete para uma pergunta central. Sabemos que associações como PETA tem um interesse em retratar a realidade de uma determinada maneira. O renome da associação perante os seus membros não seria beneficiado se PETA ocupasse uma posição mais moderada. Economicamente a associação depende de quotas e de donativos de pessoas que estão de acordo com a visão da associação. Se a PETA não preenche as expectativas dos seus membros e apoiantes, estes vão procurar outra associação mais de acordo com a sua visão.

    Tendo isto em conta, quão credível é a informação da associação? Em que sentido é mais credível do que a vindo de outras entidades classicamente definidas como partes interessadas como, por exemplo, a industria farmacêutica?

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  4. Quão credível é a informação da PETA? A mesma de qualquer organização que defende grupos de interesse, suponho. A PETA terá toda a legitimidade em fazer valer as suas visões, o que não deve é ser vista como arauto da verdade e da moral pública. Pior do que a falta de transparência de (alguma) investigação biomédica só mesmo a manipulação da informação por parte de (algumas) associações de defesa dos direitos dos animais. Como o Nuno já abordou noutro post sobre uma campanha da Associação Animal, organizações deste tipo manipulam os sentimentos das pessoas e promovem o princípio medieval (no sentido mais primário do termo) do “quem não está connosco está conta nós” que por sua vez impõe a lei de talião (“olho por olho, dente por dente”), como este jogo de computador tão bem ilustra.

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  5. Anna Olsson - "temos todos os estereótipos da PETA confirmados". Mas o que os confirma? Alguns estudos feitos under cover pela própria organização que procura confirmar o que já pensa.

    É verdade que há um confirmation bias de parte da PETA. Mas há alguma forma de obter o tipo de informação obtida em investigações undercover sem ser com as próprias investigações undercover? Alguém acredita que os tratadores dos animais de laboratório vão cometer algum tipo de abuso se souberem que está lá um inspetor? Este é o tipo de situações em que não se pode confiar apenas na autoregulação e na regulação governamental.

    Veja-se o caso em análise: em declarações ao jornal, o responsável pela investigação em animais negou que tivesse havido qualquer irregularidade neste conjunto de experiências. Após a denúncia da PETA, a USDA investigou e verificou a existência de várias irregularidades. É para mim óbvio que, caso haja irregularidades numa investigação com animais, os responsáveis têm todo o interesse em "abafar o caso", evitando má publicidade, multas e processos e cortes no financiamento. Só um responsável com a mais absoluta integridade é capaz de ignorar estes incentivos, e basta que haja um superior hierárquico com menos escrúpulos para essa pessoa ser afastada. Veja-se a quantidade de "whistleblowers" que recorrem à PETA para denunciar abusos.

    A regulação governamental também não evitou estes abusos: segundo o que li no site da PETA, a UW-Madison já tinha sido citada noutras ocasiões por violação do Animal Welfare Act. Isso foi suficiente para impedir estas experiências? Não. Muitas são aliás as universidades e laboratórios alvos de campanhas da PETA que têm um historial de violações do AWA. Claramente, as multas não têm um efeito dissuasor o suficiente.

    Anna Olsson - Mas é a excepção, não é a regra. Se não fosse assim, não teríamos investigação com animais nas universidades. Tão pequena não é a transparência, e as pessoas que trabalham tem consciência. Claro que PETA sabe isto. E claro que não interessa a associação de procurar dar uma imagem representativa da realidade com que trabalha.

    Não tenho tanta certeza que seja a excepção. Como é que podemos saber isso? Em relação à transparência, mais uma vez usando o exemplo deste caso, a UW-Madison travou uma luta judicial de mais de 3 anos para impedir que a PETA divulgasse as fotos e relatórios da gata Double Trouble, sob a justificação de que isso violaria "trade secrets". Todas as instituições que realizem experiências invasivas em animais, especialmente em animais de companhia, têm todos os incentivos para impedir que imagens das experiências sejam reveladas. E é isso que acontece. O público não tem acesso ao tipo de imagens e relatórios que vieram a público neste caso, quando a verdadeira transparência passa precisamente por aí. Não é nos "Meteriais e Métodos" dos artigos publicados (que o público em geral não lê de qualquer forma) que as pessoas podem ficar a saber como os animais foram tratados. Até porque nem todas as experiências resultam em artigos, como aconteceu no caso da Double Trouble. A investigação com animais é o tipo de situações em que não há qualquer incentivo para uma verdadeira transparência, apenas para auto-promoção.

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  6. E para perceber isto não precisamos de ir mais longe que Portugal, ou até mesmo o Porto. Quem não se lembra do uso de cães pela Universidade de Évora e da polémica que causou? E quem é divulgou a situação? Pois, não foi a U. Évora, mas sim um jornal, depois da denúncia de ex-alunos. E aqui no Porto, tomei conhecimento por este mesmo blog das más condições em que são mantidos os cães usados no ensino no ICBAS. E devo dizer que fiquei desagradavelmente surpreendido ao ver os autores defender que os alunos deviam tomar a iniciativa de melhorar as condições de vida destes animais, desresponsabilizando a instituição. O ICBAS tem a obrigação moral de garantir as melhores condições de vida para aqueles cães, independentemente da colaboração dos alunos. Tal como mantém o material de laboratório, os computadores e casas de banho, por exemplo, nas devidas condições, mesmo que alguém parta um gobelé, estrague um monitor ou suje uma casa de banho. Naturalmente que caso haja dolo, o aluno deve ser responsabilizado, mas a casa de banho não é deixada suja enquanto o processo corre. Da mesma forma, a instituição tem a obrigação (até maior do que nos exemplos que eu dei) de garantir as melhores condições para os cães que tem a seu cuidado, quer os alunos colaborem quer não. De qualquer forma, e voltando ao tema em análise, eu não teria conhecimento desta situação por iniciativa dos responsáveis do ICBAS. Quantos mais casos haverá por denunciar na UP, e em Portugal? Nunca saberemos, a não ser por "whistleblowers".

    E isto acaba por responder à questão dos interesses da PETA. Nestas questões fraturantes, não há partes desinteressadas ou, se as há, não podemos contar com elas para revelar toda a informação. Da mesma forma que a PETA denuncia abusos na indústria pecuária, farmcêutica, biomédica, de entretenimento, das peles, etc, estas indústrias "denunciam" os milhares de animais de companhia eutanasiados anualmente na sede da PETA, através de sites como o http://www.petakillsanimals.com/ , do Center for Consumer Freedom, uma organização sem fins lucrativos que faz lobbying em nome das indústrias do tabaco, álcool, carne e fast food (http://en.wikipedia.org/wiki/Center_for_Consumer_Freedom). E convencem muitas pessoas: a série "documental" Penn & Teller: Bullshit! fez um episódio inteiro sobre a PETA, onde reproduz muitos dos argumentos encontrados no referido site. A perceção que eu tenho dos programas e filmes americanos que vou vendo é que a opinião pública nos EUA sobre a PETA é globalmente negativa. Os opositores mais vocais dizem o tipo de coisas que se vê nos comentários do post do Speaking for Research que o Nuno Franco citou. Muita gente não compreende a ideologia moral utilitarista da PETA, muito parecida com de Peter Singer (tirando na investigação com animais) e vê a eutanásia de animais de companhia como incompatível a defesa dos direitos dos animais. As indústrias contra as quais a PETA luta têm muitos, muitos mais recursos financeiros que a PETA, e muito mais influência nos media.

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  7. A informação da PETA é tanto mais credível quanto mais fontes independentes suportarem essa informação, pelo menos para mim. Às vezes, para suportar algumas afirmações, o site e o blogue da PETA linkam documentos oficiais, como no caso recente da Philippine Airlines ter afirmado nas redes sociais e a quem telefonava para os seus escritórios que não tinha transportado macacos para laboratórios recentemente. A PETA divulgou guias de transporte que mostravam o transporte de quase 200 macacos nos últimos 12 meses http://www.peta.org/b/thepetafiles/archive/2013/06/14/philippine-airlines-caught-lying-about-its-record-of-cruelty.aspx O comunicado da PA foi retirado do Facebook pouco depois. Mas quando não tenho acesso a fontes independentes, acaba por ser a palavra da PETA contra a da entidade visada ou mesmo só a palavra da PETA, sem que a entidade visada se pronuncie. Nesses casos, eu confio mais no que a PETA diz, e acho que muitos dos argumentos que apresentei suportam essa atitude.

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  8. A razão pela qual tenho alguma confiança em dizer que a ma conduta com animais é excepção e não regra é a minha experiência de dentro de varios institutos de investigação. PETA desempenha sem duvidas o seu papel no debate em geral e em particular chamando atenção pelos problemas que existe. Não quero por em causa a veracidade dos casos relatados por PETA, mas representam os problemas, não representam a realidade como tal. Não se pode concluir que porque existem casos problematicos, a investigação com animais é toda uma brutalidade. (O que Ricardo também nunca tem dito, mas muitos seguidores da PETA tendem a fazer)

    No que diz respeito à responsabilidade pelo bem-estar dos animais numa instituição de ensino veterinária, é sem duvidas a responsabilidade da própria instituição de fornecer as condições de alojamento e de tratamento estabelecidas por lei, e se possível mais do que isto. Não tem sido este o assunto em causa no ICBAS, o que também é dito explicitamente na campanha. O que está em causa é o que pode ser feito para os cães além deste mínimo. E a maneira mais importante de assegurar bem-estar de um cão é fazer o que muitos donos responsáveis* fazem todos os dias: socializar com e passear os cães. E a prática da maior parte das instituições de ensino veterinária é de envolver os alunos neste programa. Por um lado, exige mais recursos humanos do que a instituição pode realisticamente dispor para o efeito. Por outro lado, é uma tarefa que os alunos estão perfeitamente aptos para fazer, mesmo estando no início do curso, e que traz experiências positivas e úteis também para os alunos. Uma instituição não é só feita pelos que estão no quadro, também os alunos fazem parte dela!

    *E infelizmente muitos outros donos ignoram, deixando cães grandes fechados sozinhos em pequenos espaçõs

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  9. No que diz respeito à divulgação de imagens, facilmente isso se torna um jogo de gato e rato. Com a facilidade de divulgação de imagens trazido pelo Web 2.0, não é possível controlar o contexto em que vai aparecer imagens divulgadas. E a questão de experimentação animal tem um historial de seculos de confrontação, de tal forma que para muitos investigadores, divulgação e participação no debate é um território minado em que não se quer correr o risco pisar.

    Tenho muita pena que assim é, mas é um facto. Oxalã que iniciativas como a Declaração de Basileia venham alterar isto.

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  10. Não tenho razões para desconfiar do que a Anna diz em relação ao que testemunhou nos institutos de investigação por onde passou. Mas não posso deixar de notar que o facto de a Anna não ter visto abusos, não implica que eles não tenham acontecido. As pessoas comportam-se de formas diferentes junto de pessoas diferentes. Um cuidador de animais de laboratório negligente não cometerá abusos junto de um superior hierárquico não-abusador, por exemplo. Mesmo que não se trate de um superior hierárquico, pode ser suficiente a presença de uma pessoa empática para com os animais para que o comportamento abusivo não aconteça. Pelo que vou lendo nos posts e comentários deste blogue, parece-me que a Anna é uma pessoa bastante empática em relação aos animais, pelo que a sua mera presença pode funcionar como dissuasora de comportamentos abusivos. Em contraponto, se um cuidador não abusivo estiver rodeado de cuidadores abusivos, a peer-pressure e outros mecanismos psicossociais podem levá-la a cometer (ou pelo menos a tolerar) alguns abusos.

    Não sei se há investigação publicado sobre isto, mas eu penso que a forma como um cuidador (caretaker) trata os animais depende, em última instância, da empatia que tem para com estes. Ou seja, uma pessoa até pode ter a melhor formação do mundo em bem-estar de animais de laboratório, mas se não for capaz de se colocar no lugar do animal, de sentir (mais do que apenas conhecer) a capacidade de sofrimento do animal, se o vir como apenas um meio para atingir um fim, então há um risco de essa pessoa cometer ou tolerar abusos para com esse animal. Na minha opinião, o que determina se a pessoa põe em prática os conhecimentos que adquiriu sobre bem-estar animal não é a mera posse desses conhecimentos, mas sim o desejo de evitar o sofrimento dos animais, desejo esse que resulta da empatia e dos valores da pessoa em relação aos animais. Posto isto, penso que a maioria dos candidatos a cuidadores de animais de laboratório não serão animal lovers, pois a maior parte dos animal lovers não concordará com as experiências em animais (mesmo que concorde com algumas, um cuidador terá quase garantidamente de tratar de alguns animais utilizados em experiências com as quais não concorda, o que afasta potenciais candidatos). Juntando todas estas peças, concluo que há um risco elevado (não o consigo quantificar, naturalmente) de muitos dos cuidadores cometerem ou tolerarem abusos ou algum tipo de negligência contra os animais ao seu cuidado. Seria bom que esta "teoria" fosse investigada, se bem que não sei qual o método para o fazer ou como garantir a fiabilidade dos dados.

    De qualquer forma, mesmo que a minha "teoria" esteja errada, a verdade é que os institutos de investigação pelos quais a Anna passou não constitutem uma amostra aleatória e representativa de todos os institutos de investigação do mundo, dos países desensolvidos, dos países desenvolvidos ocidentais, dos países Europeus ou mesmo de Portugal. Ou seja, há um enorme conjunto de fatores que podem explicar o porquê de a Anna ter testemunhado poucos ou nenhuns abusos, como os regulamentos em vigor nesse país, o grau de enforcement dessas normas, a "cultura" desse país em relação aos animais, o tipo de experiências realizadas, o tipo de animais utilizados, a empatia dos cuidadores, entre muitos outros. Para mim, é insuficiente para concluir que a má conduta é uma exceção e não a regra, em termos globais.

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  11. Em relação ao ICBAS, convém dizer que não era a ponto principal da minha resposta, servindo apenas como um exemplo do que eu considero má conduta, em Portugal. Ainda assim, tenho uma questão: a lei de que a Anna fala não faz qualquer referência ao bem-estar dos animais a cargo das instituições? É suficientemente objetiva e detalhada para que se possa excluir a socialização e os passeios desse mínimo obrigatório por lei? Tenho as minhas dúvidas, mas fico a aguardar o seu esclarecimento.

    Há várias exigências na petição em causa em que os alunos não podem dar o seu contributo: o usufruto das 2 jaulas mais espaçosas do canil e a ligação de algumas das jaulas mais pequenas, para permitir a socialização dos animais. Uma instiuição como o ICBAS tem, de certeza, os recursos financeiros para realizar estas pequenas intervenções. O mesmo se aplica à aquisição de brinquedos, mas se o ICBAS entender que mais vale gastar o dinheiro em monitores de 24'' para os investigadores (ou noutro capricho qualquer), o mínimo que pode fazer é levar a cabo uma campanha de recolha de brinquedos junto dos alunos, docentes e funcionários e, caso não consiga todos os brinquedos necessários, alargar essa campanha à comunidade da UP e aos utentes do seu hospital veterinário.

    Em relação aos passeios, não acredito que 2 funcionários contratados a tempo inteiro não arranjem tempo para passear 11 cães pelo menos uma vez por dia. Sei que os peticionários exigem 2 passeios por dia, mas fiquei com a ideia que, atualmente, os passeios são tão esporádicos (alguns cães passeiam pouco mais de 1x/mês, de acordo com o vídeo), que um passeio por dia já faria uma enorme diferença para estes cães. Desconfio que a situação atual só se verifica por inércia dos funcionários e dos responsáveis a quem se dirige a petição, e não por falta de recursos humanos, o que é totalmente inaceitável. Quantas pessoas são precisas para passear 11 cães bem comportados? Uma para cada cão? Será que cada funcionário não consegue passear 3 cães de cada vez? Os dog walkers profissionais passeiam bem mais do que isso, se os cães forem bem comportados. Mesmo no caso limite e irrealista de cada funcionário só conseguir passear 1 cão de cada vez, durante 30 minutos, os 2 funcionários gastariam apenas 3h por dia no passeio dos 11 cães. Sabendo que estão contratados a tempo inteiro, têm tempo suficiente para isso.

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