[Nota: uma versão deste post foi
publicado como artigo no jornal
Público, a 4 de Fevereiro de 2016)]
Esta semana a TAP-Air Portugal
retweetou este tweet da PeTA:
O mesmo faz menção à
notícia que a TAP vai deixar de transportar troféus de caça,
barbatanas de tubarão e outras partes de animais em risco, bem como animais para uso em investigação, após um compromisso assinado com a
PeTA-US. A própria TAP, contudo, não faz menção a este acordo com a sociedade activista pelos direitos dos animais nos seus canais de comunicação.
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Protesto em Vancouver, em 2012
(Fonte: Nature) |
A PeTA tem focado os seus esforços na oposição ao transporte de primatas, sob o
argumento (falso) que estes são retirados de habitats naturais ou criados em condições deploráveis. Contudo, o
sucesso extraordinário destas iniciativas levou à ambição de estender este boicote ao
transporte de invertebrados (como moscas) nas suas exigências às companhias transportadoras.
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Protesto contra a United Airlines
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As elevadas exigências ao nível de bem-estar destes animais faz com que o transporte por via aérea seja o ideal,
por ser o mais rápido e menos stressante. É, contudo,
logisticamente complexo, razão pela qual poucas companhias reúnem as condições para o fazer. Sendo poucas, são mais vulneráveis a tácticas de intimidação por parte da PeTA, por falta de solidariedade (ou receio de represálias) das demais. Não sabemos, contudo, se foi o receio de serem um alvo das acções de activistas, ou por razões de imagem pública (improvável, já que não foi divulgado) que levou a este acordo.
O medo é uma arma muito poderosa, e o receio de perder passageiros
levou a que várias companhias que transportavam animais para estudos biomédicos tenham cedido a pressões da parte de um pequeno número de indivíduos, que não representam, de todo, o sentimento geral do público. Pior ainda é que o tenham feito sem terem consultado as instituições médico-científicas com que trabalhavam, ou associações de doentes. Tenho vivamente gravada a revolta de uma mãe de uma menina com síndrome de Rett e presidente da respectiva associação de doentes, que emocionada perguntou numa
conferência em Roma "com que direito podem estes pequenos e marginais grupos se interpor aos direitos dos demais, à descoberta de uma cura para a minha filha?". E ainda que a questão não seja linear, é difícil sermos insensíveis a este tipo de apelo.
Seja qual for a razão que levou a este acordo, o que isto significa é que se pode interpretar que a TAP considera a caça de animais ameaçados moralmente equivalente ao transporte de animais criados propositadamente para uso em investigação biomédica, isto é, para dar resposta a doenças que causam sofrimento e morte de milhões de humanos e outros animais.
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Falta de discernimento? |
Associar causas quase consensuais (como o combate ao
tráfico ilegal de animais) à experimentação animal é uma estratégia recorrente da PeTA e de outros grupos animalistas, tentando com que o público considere ambas igualmente meritórias de censura. Outra estratégia comum aqui também presente é explorar o facto do público
se opor mais fortemente ao uso de primatas e animais de companhia do que ao uso de roedores. Por essa razão, e ainda que nenhuma espécie de primata ou animal de companhia seja usada em Portugal em investigação (e em toda a Europa representem juntas uma
percentagem ínfima do total de animais usados, com total proibição do uso de grandes primatas), são estas as espécies usadas em
propaganda política contra o uso de animais, no nosso país.
Apesar de serem usados em pequeno número, os primatas são fundamentais para a compreensão de doenças que afectam quer humanos, quer os próprios primatas na natureza, como o
HIV (e vírus semelhantes) ou o
Ébola, e para o desenvolvimento e teste de vacinas e terapias para as mesmas. E apesar das limitações ao transporte destes, ou de outros animais usados em ciência, poderem até certo ponto ser colmatadas por criação
in situ, em muitas circunstâncias é logisticamente proibitivo, e em qualquer caso levará a um aumento considerável do número de animais em laboratórios e ao custo destes estudos. Em todo o caso, parece que o acordo a que a TAP anuiu inclui todas as espécies animais, desde que o seu destino seja o uso em ciência, alheios aos nível de cuidados prestados, que vai frequentemente além do que beneficiam os animais de companhia que transportam.
Em suma, sou o primeiro a admitir que o uso de animais em ciência é cientifica e eticamente complexo, mas considerá-lo equivalente ao tráfico de barbatanas de tubarão ou de presas de elefante é de uma profunda desonestidade intelectual.
Nada a que não esteja habituado.