Quem já viu um tigre ou um urso polar no jardim zoológico teve, com grande probabilidade, a possibilidade de assistir a pacing estereotipado. Estes comportamentos tendem a ser muito notórios e costuma ser evidente, mesmo para o observador menos experiente, que algo de errado se passa com o animal.
Animais selvagens de espécies que na natureza possuem grandes territórios, quando confinados a pequenos espaços em jardins zoológicos e circos - ou enjaulados como animais de estimação - são particularmente propensos a desenvolverem comportamentos estereotipados. Mas este tipo de comportamentos ocorre em todos os tipos de animais mantidos em cativeiro. Pensa-se que se desenvolvam a partir de comportamentos normais que os animais estão muito motivados a realizar na natureza, mas que num ambiente restritivo são impedidos de manifestar de maneira normal.
Se a restrição comportamental afeta a alimentação e/ou a procura de alimentos, é mais provável que os animais desenvolvam estereotipias orais, como as porcas e o cavalo nos vídeos abaixo.
Se os animais antes estão motivados para explorar e para se movimentar, provavelmente irão desenvolver estereotipias locomotoras. O tigre acima é um exemplo disso, outra é weaving em cavalos.
Já agora, desligue o som no seu computador enquanto vê os vídeos, a menos que queira ser exposto a mais equívocos sobre comportamentos estereotipados. Estes comportamentos não são contagiosos e os animais não os aprendem uns dos outros, como muitos proprietários de cavalos e treinadores pensam. Se vários animais no mesmo ambiente mostram estereotipias semelhantes, a explicação é que eles reagem de uma forma semelhante ao ambiente inadequado.
As estereotipias são comportamentos intrigantes. Muita pesquisa tem sido direccionada para a compreensão de como se desenvolvem, mas também para dois outros aspectos importantes que vou discutir a seguir: porque é que as estereotipias persistem e o que significam para os animais.
Na maioria dos vídeos neste post, vemos os animais a executar estereotipias enquanto alojados em ambientes altamente restritivos, com uma excepção: o cavalo que exibe cribbing. Apesar de estar num paddock com amplo espaço e em companhia de outros cavalos continua a exibir este comportamento anormal. Este é um exemplo de que estereotipias podem persistir uma vez estabelecidas num animal - de modo que colocar o animal num ambiente mais adequado nem sempre é suficiente para se livrar do comportamento problemático.
As estereotipias são um indicador importante do bem-estar animal, uma vez que se pode concluir dum ambiente em que muitos animais desenvolvem estereotipias que o mesmo não é apropriado para estes animais. Mas em tal ambiente, as estereotipias podem ser uma espécie de auto-ajuda para os animais que as realizam. Há evidência de investigação que a execução de comportamentos estereotipados pode reduzir stress. Por isso, impedir um animal de realizar estes comportamentos (como é muitas vezes tentada em cavalos) é definitivamente o caminho errado para resolver o problema.
Para saber mais sobre estereotipias, explore os
recursos compilados pelos etologos Georgia Mason e Jeff Rushen para o livro Stereotypic
Animal Behaviour
A propósito de estereotipias em ambiente de cativeiro, há muito que o cão é considerado um animal doméstico cujo ambiente natural é a casa e/ou o jardim. Então porque se identificam tantas estereotipias no cão que (con)vive com o ser humano? E, porque existem tantas semelhanças entre as estereotipias dos animais de zoológico e as dos cães domésticos?
ResponderEliminarRelembremos as estereotipias caninas: o “cão andar esquipadamente em uma determinada área, caminhar em uma figura de oito ou circular, pular no mesmo lugar, correr ao longo da linha de uma cerca, escavar, arranhar o chão, andar em círculos, rodopiar ou não se mover em absoluto (paralisar)” (Beaver, 2001: 384). Estes exemplos em muito se aproximam dos comportamentos dos animais de zoológico descritos no post publicado por Anna Olsson.
Com efeito, o cão tem estereotipias quando a energia física e mental que liberta através do estímulo e da actividade nos passeios e interacções com os donos são insuficientes para colmatar as suas necessidades caninas mais naturais. Adicionalmente, as estereotipias podem também ter uma origem cognitiva: perante uma situação desconhecida, uma novidade, o cão opta por ter comportamentos estereotipados, simplesmente porque não aprendeu junto dos seus pares a resposta comportamental canina.
Por outras palavras, o humano trouxe o cão para dentro de casa, colocou barreiras físicas que impedissem a sua fuga, mas ‘esqueceu-se’ que o cão poderia vir a sofrer de tédio e entrar em rotinas ‘de não ter nada para fazer’. Não será este um contexto semelhante aos animais de zoológico que, não obstante o espaço disponível, carecem de estímulos similares aos do seu habitat natural? Penso que sim.
Assim, parece que a adopção de comportamentos estereotipados sugere que essa é uma ferramenta que os animais utilizam para lidar com o stress. São várias as teorias que tentam explicar as estereotipias caninas. Da minha parte, permitem-me que me foque numa: a do enriquecimento ambiental. Segundo esta teoria, o cão sofre de estereotipias quando o ambiente que o rodeia desencadeia um estímulo aquém das suas necessidades (Bonnie, 2001).
De acordo com esta explicação das estereotipias caninas, resta saber como deve o humano promover um ambiente que corresponda às necessidades do cão.
Ao introduzirem-se elementos novos, simples e estimulantes no espaço onde o cão vive possibilita-se, por um lado, a oportunidade de escolha, por outro lado, que o cão possa optar pelo comportamento que se lhe afigure como mais natural.
Exemplificando, tal como os exemplos apresentados no post sobre o porco e o cavalo, é possível estimular o cão na procura de alimento. Construindo uma gincana com diferentes tipos de piso e de obstáculos para que através do tacto, olfacto e visão o cão possa encontrar a sua refeição de forma desafiante. A variedade dessa refeição pode promover a conjugação do estímulo dos sentidos com o estímulo das texturas, sabores e odores.
Consoante a personalidade do cão, estas poderão ser actividades individuais ou em grupo de pares (outros cães). Assim, para além das componentes alimentar, física, cognitiva e sensorial trabalhar-se-á também a componente social.
Na tentativa de resolução de estereotipias caninas, por último, é importante sublinhar que cada cão tem a sua personalidade e as suas carências. Mais, ao longo do curso de vida as necessidades do cão alteram-se. Assim, não existe uma receita de sucesso, cabe a cada dono ter a sensibilidade de identificação dos estímulos mais adequados ao seu cão, bem como a capacidade de experimentação até ser conhecida a fórmula mais ajustada ao seu animal.
Beaver, Bonnie V. (2001) Comportamento Canino: um guia para veterinários. São Paulo: Roca.
Seu comentário foi muito esclarecedor e prova ser sério e comprometido. Parabéns e obrigada!
EliminarObrigada pelo comentário.
ResponderEliminarO ambiente pode ser o factor principal causador do desenvolvimento das estereotipias, e o ser humano deve sempre procurar de fornecer um ambiente que corresponda às necessidades dos animais nele mantido.
No entanto, falando de estereotipias em cães num contexto de medicina comportamental, é importante lembrar que pode haver outras causas, e que a terapia indicada pode variar em função disto.
Daniel Mills dá o comportamento canino de tail-chasing como um exemplo. Um comportamento que pode parecer muito semelhante pode ter origens tão diversas como:
- conflito de motivação
- ataque epilético
- infeção do ouvido
- dor na zona da cauda
- neuropatia
- resposta que animal aprendeu chama a atenção dos donos
- estereotipia no sentido estrito do termo.
(Mills & Luescher. Veterinary and Pharmacological Approaches to Abonromal Repetitive Behaviour. In: Mason & Rushen, Stereotypic animal behaviour. 2006 CABI).