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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Trabalhar com Bem-Estar Animal em Portugal: George Stilwell, FMV





George Stilwell, professor auxiliar Faculdade de Medicina Veterinäria

Olá George, tens um novo projecto de investigação em curso. Podes nós contar um pouco mais sobre
Animal Welfare Indicators?

O Animal Welfare Indicators (AWIN) é um grande projecto europeu que vem na sequência de um outro chamado Welfare Quality. O AWIN irá estudar os indicadores de bem-estar nas espécies que não foram abordadas pelo projecto anterior, ou seja, os ovinos, caprinos, equídeos (cavalos e burros) e ainda perus. Será ainda um dos principais objectivos do AWIN criar uma plataforma online de ensino e divulgação de temas de bem-estar animal.
O AWIN é coordenado pelo Scottish Agriculture College, e envolve 11 parceiros em 10 países (9 na Europa e Brasil).
Em Portugal a instituição envolvida é a Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa. Durante os próximos 4 anos irei orientar as actividades de dois estudantes de doutoramento, para além de uma estudante de doutoramento em parceria com a Universidade de Milão.
A área de estudo em Portugal será a de bem-estar de pequenos ruminantes e principalmente de cabras leiteiras em regime intensivo.

Que resultados esperam deste projecto?

Os estudos a serem conduzidos em Portugal irão dividir-se em duas áreas principais: a) criação de um modelo de certificação de bem-estar nas explorações de pequenos ruminantes através de indicadores validados; b) avaliar o impacto de certas doenças sobre o bem-estar, nomeadamente através da dor.
No primeiro grupo de estudos pretendemos identificar os sinais que permitirão a produtores, investigadores e avaliadores reconhecer, de forma rápida e prática, problemas de bem-estar a nível das explorações. A validade, repetibilidade e exequibilidade destes indicadores de bem-estar serão testadas em diversas explorações com sistemas de produção e raças diferentes. De seguida o modelo será testado a nível dos outros países europeus. Com este estudo será possível criar as ferramentas necessárias para distinguir as explorações onde o bem-estar animal está garantido, podendo assim comunicar ao consumidor que um determinado produto respeita as normas mais exigentes de respeito pelos animais.
O segundo grupo de trabalho estudará a dor em doenças e práticas de rotina como a peeira, laminite, mastites, artrites, descorna etc… Pretende-se com estes estudos perceber se a dor é uma vertente importante na patogenese das doenças e se a analgesia deverá ser considerada como parte essencial do tratamento facilitando a recuperação do animal.

Penso que é a primeira vez que uma universidade portuguesa participa num projecto europeu desta dimensão sobre bem-estar animal na pecuária. É importante haver esta participação de investigadores nacionais em projectos internacionais?
Também julgo que se trata da primeira colaboração desta dimensão na área do bem-estar animal. Com esta parceria Portugal deverá demonstrar à comunidade internacional duas coisas: que o estudo e a preocupação com o bem-estar animal não é um exclusivo dos países do norte da Europa, que geralmente lideram nestas áreas; e que existe em Portugal conhecimentos, experiência e vontade suficiente para investigar em temas complexos como o da área do bem-estar em explorações de pecuária.
Olhando a questão pelo outro lado, podemos dizer que estes projectos vêm mostrar aos produtores, empresas do sector da pecuária e políticos de Portugal, que esta é uma área com eles se devem preocupar e que podem contar com os cientistas das instituições nacionais para responder às suas questões e apresentar soluções que protejam o bem-estar animal sem inviabilizar actividade pecuária. Aquela ideia de que as regras de bem-estar são criadas para que os países do norte acabem com a produção dos países do sul, tem de ser combatida com urgência.

George, já trabalhas com bem-estar animal há muito tempo na Faculdade de Medicina Veterinária em Lisboa e também em colaborações internacionais de diferentes tipos. Como estão os animais em Portugal – bem ou mal? Melhor ou pior do que há 15 anos?
Vou falar essencialmente do bem-estar de animais de pecuária já que são aqueles com os quais trabalho diariamente. Não tenho a menor dúvida de que o bem-estar destes animais está melhor do que há 15 anos. Isto não quer dizer que esteja perfeito ou mesmo bom para todos eles. Muito ainda há a fazer!
Quando consideramos o bem-estar de animais de produção temos de perceber que nunca será possível garantir que os animais viverão sem ameaças ao seu bem-estar. Pensemos em ovelhas em pastagem – aparentemente uma situação óptima em termos de bem-estar – e nas importantes ameaças que surgem com o clima, intempéries, parasitas e doenças, que serão sempre mais graves do que em sistemas intensivos.

Dito isto, acho que podemos afirmar que avançámos muito em termos de bem-estar por via de regras impostas pela legislação (infelizmente quase sempre imposta pela UE e raramente por nossa iniciativa), mas também porque os próprios produtores perceberam que as performances dos animais são muito superiores quando o conforto e bem-estar dos seus animais estão garantidos. Outro factor importante e relativamente recente é a pressão dos consumidores que, pelas razões certas ou erradas, associaram a segurança e qualidade dos produtos a certos sistemas e práticas que são mais amigas dos animais. Também a evolução económica e financeira permitiu que o consumidor passasse a integrar outros requisitos nas suas exigências, sendo a ética uma das que mais influenciou a forma como passamos a lidar com os animais. Ou seja, a produção teve de alterar certas práticas ou arriscar-se a não conseguir escoar os seus produtos. Características do abate, do transporte, da alimentação, das instalações e do maneio são hoje em dia (também) baseadas nos seus efeitos sobre o bem-estar dos animais.

Bem-estar animal não é apenas ciência, tem também uma clara conotação política. Temos uma nova ministra de Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento. Que assuntos consideras mais urgentes para esta nova responsável máxima pelo bem-estar animal em Portugal?

Como já referi o bem-estar animal não é apenas uma preocupação para os animais, produtores e certas pequenos grupos, mas é um assunto que desassossega cada vez mais a sociedade em geral e os consumidores em particular. Sendo assim é uma obrigação de qualquer governante dar resposta a estas inquietações. O maior desafio que se põe neste momento de crise (afectando consumidores e produtores) é não deixar subjugar as preocupações com o bem-estar animal pelas questões económicas. Esta será uma tentação para quem tiver uma visão muito limitada já que a médio prazo as perdas previsíveis em qualidade, quantidade e segurança dos produtos de origem animal conduzirão a menores consumos ou procura de alternativas. Será preferível ajudar as explorações a superar estes momentos difíceis exigindo em troca a manutenção (aumento) das acções em prole do bem-estar, ambiente e sustentabilidade da produção.

As maiores prioridades serão de aplicar as regras e recomendações de bem-estar que a UE propõe – e.g. eliminação das celas para porcas e introdução de gaiolas melhoradas para galinhas poedeiras. Igualmente importante será a formação de produtores, tratadores e transportadores de animais na área do comportamento e bem-estar animal. É óbvio que a simples transcrição das directivas sem a fiscalização subsequente é como chover no molhado. É aqui que o Ministério deve apostar nos próximos tempos.

1 comentário:

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