O tema da conferência Pathway to more Transparency in Animal Research reveste-se da maior importância para o público e legisladores, sendo também o ponto mais crucial da Declaração de Basileia. A escolha da Alemanha para esta conferência revestiu-se de especial significado, uma vez que foi o único país que se absteve de aprovar a nova directiva comunitária que regula o uso de animais em ciência, como faz questão de salientar a Nature deste mês.
Sendo a Declaração uma iniciativa de (e para) cientistas, e dadas as circunstâncias que a incentivaram, não me estranharia que o tom desta conferência fosse o de um apelo à união da comunidade científica "contra" os seus "adversários". Contudo, ao longo das sessões da manhã, no decorrer dos grupos de trabalho e no plenário final, era fácil de constatar que a preocupação pela elevação dos padrões de bem-estar animal e do aumento da transparência na comunicação do uso de animais é não só genuína como também encarada como o melhor caminho para a credibilização da comunidade científica.
Prof. Stefan Treue |
Isto ficou logo patente no discurso de boas-vindas do Prof. Stefan Treue, director do German Primate Centre e uma voz crítica do clima de restrição ao uso de primatas que se viveu na Europa (mais por razões políticas que científicas) e do qual foram exemplos os primeiros esboços da proposta de directiva, altamente penalizadora da ciência (e entretanto refinada, graças aos esforços de investigadores na indústria e academia) e o chumbo de propostas de investigação em primatas na Alemanha e Suiça (com base na "falta de aplicabilidade directa" dos estudos). Treue salientou a importância da formação dos cientistas para a consecução dos objectivos de Basileia e relembrou o risco inerente na divisão, sempre falaciosa, da investigação biomédica em "básica" e "aplicada". Até porque há a percepção, da parte de políticos, entidades financiadoras e do público que esta divisão seja do tipo investigação "má/boa", "desnecessária/útil", "rentável/desperdício".
Prof. G. Heldmaier |
De seguida, o Prof. Gerhard Heldmaier, na sua apresentação "Tranparency: Risk or opportunity" fez questão de destacar a transparência como o principal pilar da Declaração de Basileia, sendo que a mesma se deveria reflectir quer na comunicação entre a comunidade científica, quer na comunicação com o público.
Prof. Richard Bianco |
Esta transparência, contudo, na perspectiva do Prof. Richard Bianco (University of Minnesota) ainda que algo muito positivo, não deveria equivaler a ingenuidade. Bianco, que apresentou a sua "Transatlantic Perspective on the Basel Declaration - The 3Rs in experimental surgery", ilustrou-o com o seu caso pessoal, já que a mesma apresentação nos EUA não seria possível sem a presença da polícia no auditório, pois já tivera sido ameaçado de morte duas vezes. Acontece frequentemente que a informação fornecida por institutos e universidades - ao abrigo de políticas como o Freedom of Information Act do Reino Unido - seja apresentada por activistas de modo descontextualizado e usada para atacar essas instituições. Isto poderá acontecer porque uma parte considerável da população não estabelece imediatamente a ligação entre os avanços médicos dos quais beneficia e a investigação em animais que leva a esses avanços, sendo assim vulneráveis à manipulação por activistas da causa animal, sem perceber as consequências que o fim do uso de modelos animais acarretaria. Não obstante, os cientistas consideram as políticas de transparência benéficas, dado o seu potencial para esclarecer o público das razões que motivam o uso de animais em biomedicina, algo que para a maioria da população legitima essa prática (ver dados do Eurobarómetro).
Bianco apresentou o trabalho da sua universidade em modelos animais de procedimentos cirúrgicos em cardiologia - que deram origem a tecnologias e terapias com aplicação na medicina humana e veterinária - salientando, contudo, a importância dos métodos não-animais como modo de preparar e reavaliar os testes em animais e humanos. Fez também um apelo à pro-actividade da comunidade científica, que frequentemente apenas age em reacção aos ataques de activistas, propondo ainda que se repensasse o uso do termo "experimentação animal", já que "when the methodology becomes the focus, many research disciplines can be targeted as controversial", proposta que teve eco no trabalho desenvolvido nesse dia.
Susanna Louhimies |
De seguida, a Dr. Susanna Louhimies veio dar a perspectiva da União Europeia relativamente à Declaração de Basileia, face à nova legislação comunitária. Foi com surpresa que a ouvi dizer que o objectivo último da Directiva é a total substituição do uso de modelos animais, algo que reconheceu não se vislumbrar possível, neste momento. Louhimies alinhou os objectivos da declaração de Basileia com os da Directiva, nomeadamente a elevação dos padrões de bem-estar animal, do aumento da transparência e da promoção dos 3Rs. Deu ainda ênfase à necessidade da avaliação do impacto nos animais antes, durante e depois do decorrer dos estudos, bem como da obrigatoriedade de aplicação de refinamento não só nos procedimentos, mas também no alojamento e manutenção dos animais. No final, apelou a investigadores e activistas pelos direitos dos animais a verem a nova legislação como uma oportunidade para trabalharem em conjunto para melhorar o bem-estar animal.
Prof. Michael Hengartner, no encerramento da sessão da manhã |
A apresentação oficial da Basel Declaration Society - constituída legalmente três semanas antes do evento - ficou a cargo do Prof. Michael Hengartner. Hengartner fez um apanhado do progresso efectuado no último ano (constante no relatório anual), e deu a conhecer a publicação "Mice times", uma publicação bianual gratuita que é publicada desde a Declaração de Basileia (primeira, segunda e terceira edições já disponíveis), sendo uma iniciativa conjunta desta organização e da associação Forschung für Leben. Esta publicação dedica-se a divulgar avanços terapêuticos e no conhecimento em medicina com base em investigação em modelos animais. No final, constatou que "a year ago we were asked how a piece of paper was supposed to change practices but today we can show that the declaration is a living commitment".
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