O que define uma pessoa?
É o facto de pertencer a uma dada espécie? É uma característica intrínseca e inalienável do ser humano? Qualquer ser remotamente humano será uma pessoa, de plena dignidade, direitos e personalidade jurídica? Se tal é o caso, como justificar a interrupção voluntária da gravidez? Ou a morte assistida/eutanásia? Quando começamos, ou deixamos de ser pessoas?
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Isso são questões para a Bioética clássica, como definida por Potter nos anos 1950s. Mas podemos ir mais longe: serão os não-crentes, aos olhos do "Estado Islâmico", pessoas? Eram-no os Judeus para os Nazis ou os Arménios para o Império Otomano? Ou os escravos de tempos idos, ou os modernos? Ou as mulheres no Médio-Oriente, ou na antiga Roma?
Parece que, aparte a discussão filosófica, na prática o estatuto de "pessoa" não tem sido atribuído automaticamente a todos os seres humanos. Ao longo dos tempos, e até mesmo hoje, para que um grupo de seres humanos reconheça o estatuto de "pessoa" a um outro, este deverá ter características afins a esse grupo. Deverá ser então de certa nacionalidade, cor, etnia, sexo, religião, ou ______________ [INSERIR CARACTERÍSTICA AQUI].
Mas até recentemente não se questionou um requisito fundamental: ser humano.
Acontece que alguns seres humanos pretendem abrir a porta do clube a outras espécies, nomeadamente a cetáceos, primatas, psitacídeos e elefantes, reconhecendo-lhes inteligência, complexidade comportamental e autonomia suficientes para que possam partilhar connosco (ou, melhor dizendo, com os humanos a quem é reconhecido) este estatuto. Na linha da frente desta batalha está o NonHuman Rights Project.
É este movimento que esta semana conseguiu que uma juíza de Nova Iorque, nos Estados Unidos emitisse um habeas corpus, a dois chimpanzés usados como modelos em investigação na Universidade de Stony Brook - nomedamente em evolução do bipedalismo - e atribuindo-lhes assim o estatuto de "pessoa", declarando a sua situação como "aprisionamento ilegal". A juíza acabou por, passadas uma horas, emendar a mão e rectificar (ou clarificar) a sua decisão, retirando-lhes esse estatuto, que num sistema baseado largamente na jurisprudência, como o Americano, poderia ter tido consequências importantes.
Neste momento, há uma série de recursos e contra-recursos para decidir o futuro deste par de animais (ou deveria dizer "pessoas"?). Mas, seja qual for o desfecho, é um marco importante na história da nossa convivência com outros animais, sejam eles pessoas ou não.
É este movimento que esta semana conseguiu que uma juíza de Nova Iorque, nos Estados Unidos emitisse um habeas corpus, a dois chimpanzés usados como modelos em investigação na Universidade de Stony Brook - nomedamente em evolução do bipedalismo - e atribuindo-lhes assim o estatuto de "pessoa", declarando a sua situação como "aprisionamento ilegal". A juíza acabou por, passadas uma horas, emendar a mão e rectificar (ou clarificar) a sua decisão, retirando-lhes esse estatuto, que num sistema baseado largamente na jurisprudência, como o Americano, poderia ter tido consequências importantes.
Neste momento, há uma série de recursos e contra-recursos para decidir o futuro deste par de animais (ou deveria dizer "pessoas"?). Mas, seja qual for o desfecho, é um marco importante na história da nossa convivência com outros animais, sejam eles pessoas ou não.
Ora vamos lá a um pouco de polémica:
ResponderEliminarTodo o ser humano é pessoa; nenhum animal não-humano é pessoa. Porque?
Por causa da espécie. Característica arbitrária? De modo nenhum.
Ao estabelecermos a fronteira bioética de espécie, encontramos aquela que é, provavelmente, a única distinção filosoficamente plausível e biologicamente objectiva entre animal humano e não humano: só o primeiro pertence à espécie Homo sapiens. Os outros animais como o chimpanzé, o papagaio ou o elefante, merecem uma consideração moral diferente da nossa porque a cabal compreensão do que é ser-se chimpanzé, papagaio ou elefante nos está vedada pelos simples facto de pertencermos a espécies diferentes.
Al'em disso, as diferentes complexidades cognitivas dos animais nao podem servir de pretexto para ter animais de primeira (os que referes), animais de segunda (talvez o cao, ou os mamiferos), animais de terceira (os demais vertebrados) e animais de quarta categoria (invertebrados). Ser-se mais ou menos semelhante ao ser humano nao deveria ser a pedra de toque da consideracao moral dos animais.
E nao pensem que sou um arreigado antropocentrista; defendo, pelo contrário, que se deve conferir valor moral a milhoes de espécies animais que pouco ou nada contam nesta equacao da pessoalidade.
Sem questionar a atribuição automática da condição de pessoa a toda a espécie humana (mas poderia fazê-lo, pois há os casos marginais dos embriões, recém-nascidos anencefálico, humanos em estado vegetativo, etc.), acho que se deve questionar que tal seja vedado a outras espécies. Mas isso também requererá uma clarificação do que entendemos por "pessoa".
ResponderEliminarDefinir "pessoa" como aquele/a que pertence à espécie humana esvazia o conceito de muito do seu significado e valor. Se forem dois conceitos meramente sinónimos há uma redundância desnecessária. Se não o forem, e houver um conjunto de características (cognitivas, emocionais, comportamentais...) que definam uma pessoa, acho relevante verificar se as mesmas nos são exclusivas.
Mais, para além da presença ou ausência dessas faculdades, a questão do GRAU de desenvolvimento das mesmas é relevante. Se os cérebros dos vertebrados (e dos mamíferos em particular) são homólogos entre si, podemos esperar funções homólogas, ainda que em diferentes níveis.
E aí, a proximidade ao grau de desenvolvimento das faculdades mentais de cada espécie à dos humanos é crucial, principalmente se, como crês, ser humano é a pedra de toque para se ser pessoa. Quanto mais próximos dos humanos, mais próximos serão assim de serem "pessoas".
Assim, colar o conceito de pessoa ao conceito de humanos obriga a um certo antropocentrismo, no sentido de definir o nível de respeito e protecção a outras espécies com base na proximidade filogenética ou comportamental (por convergência evolutiva) à nossa.
Isto não serve de pretexto para classificar alguns animais como sendo de 1ª ou 2ª, mas justifica um tratamento diferencial tendo em consideração as diferenças entre as espécies. Um veterinário não aborda nem trata de um réptil da mesma maneira que o faz para um cavalo, ou não o deveria fazer. Podemos respeitar todos, de uma forma básica, mas ir para além deste preceito mínimo para algumas espécies. Até que o nível de interacção possível com psitacídeos, cetáceos, cães, primatas e alguns outros automaticamente nos coloca na situação de estabelecermos, na prática, relações de maior proximidade e empatia.
Discordo ainda que a compreensão do que é ser-se chimpanzé, papagaio ou elefante nos esteja completamente vedada. Poderá ser eternamente incompleta, enviesada e mesmo antropomorfizada, mas a maior afinidade com algumas espécies é inegável. E é-nos mais fácil perceber o que é ser-se Bonobo que o que é ser-se uma barata. Para além disso, há características intrinsecamente (ou melhor dizendo, tradicionalmente) ligadas ao conceito de pessoa, como a autonomia, o auto-reconhecimento e a empatia que muitos afirmariam estarem ao mesmo nível do nosso.
A minha visão pessoal é que a consideração moral deve, como os cuidados com o bem-estar, ser diferenciada (sem prejuízo de ter um nível básico de consideração moral por todas as espécies sencientes). Mais, ambas devem estar intimamente ligadas. Será mais fácil suprir as necessidade de um zebrafish em cativeiro que a um chimpanzé, cujas necessidades vão muito além das fisiológicas. E apenas essa razão seria suficiente, em meu entender, para que não aceitássemos o seu cativeiro em quase nenhuma situação.
Parto assim de um ponto de vista bem-estarista para chegar à conclusão que certas espécies merecem especial consideração e respeito pela sua liberdade, autonomia e bem-estar. Se isso faz dos membros dessas espécies "pessoas", vai depender da definição de cada um do que isso quer dizer. Mas nem temos que ir por aí.