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quarta-feira, 24 de março de 2010

O que é um animal?

Recentemente fui abordada com a seguinte questão: se a manipulação das condições ambientais de micróbios constituía “experiências que impliquem o sofrimento físico ou psicológico de animais vivos, pela prática de actos de abuso, crueldade ou morte” (regra imposta no Concurso Nacional para Jovens Cientistas e Investigadores).

Fora a ambiguidade do que constitui "abuso, crueldade ou morte", isto levanta a questão que usei como cabeçalho deste post. É verdade que os organismos vivos que não são plantas pertencem ao reino Animal. Mas será que consideramos todos os membros do Reino Animal, animais?

No caso em questão, propús como base o uso da legislação que regulamenta a experimentação animal. Nesta legislação estão incluídos todos os animais vertebrados mas (de momento) nenhum dos invertebrados. Quem pensou a lei (ou melhor, a directiva comunitária subjacente) provavelmente pensou que era entre os vertebrados e os invertebrados que devíamos traçar a fronteira tendo em conta, por um lado, a ‘complexidade sensorial’ dos organismos em questão e, por outro, os aspectos práticos de controlo e fiscalização.

Mas isso não corresponde necessariamente à percepção de senso comum do que é um animal. Penso que a maior parte das pessoas considera um polvo (que provavelmente virá a ser coberto pela futura directiva de experimentação animal) bem como um caracol e uma mosca (que continua a não ser considerada nesta legislação, apesar do papel importante que as moscas-de-fruta têm na investigação) como sendo animais. E que pouca gente considera um micróbio, seja de que género for, um animal.

O que é para si um animal (não-humano)? Onde coloca a fronteira?

2 comentários:

  1. Para mim, existem duas caracteristícas de natureza biológica - e portanto, objectivas - capazes de definir o que é um animal: a presença quer de tecido nervoso quer de tecido muscular. Mas isso não quer dizer que todos mereçam a mesma protecção, por igual. Aliás, a legislação não pode seguir a biologia, sob o perigo de ao tentar proteger todos, não proteger nenhum. Na prática, deve existir uma fronteira entre aqueles que merecem protecção e aqueles que, segundo a melhor evidência científica, não são afectados pela falta dela.

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  2. Esta será uma das clássicas questões do tipo "where do we draw the line?".
    Tecnicamente, para que um ser possa ser designado como animal, deverá ser pluricelular, heterotrófico (com algum tipo de cavidade gástrica), possuir diferenciação celular em dois ou mais diferentes tipos de tecidos. Se formos à Wikipedia, encontramos lá listada também como característica fundamental a "capacidade de responder ao ambiente".
    Discordo que tal seja exclusivo dos animais (aliás, a própria definição de "Ser Vivo" inclui a existência de algum tipo de interacção sensorial com o meio ambiente, seja ela de natureza nervosa, quimiotáxica, molecular adaptativa ou outra) mas este é, certamente, o ponto em questão aqui.
    Pedindo emprestada a Jeremy Bentham a sua mais famosa declaração, adapto-a agora aqui para: "A questão não é: - São animais? Ou tampouco: - Tem sistema nervoso? Mas antes: - Tem um sistema nervoso suficientemente desenvolvido para que possam sentir mal-estar?
    Podíamos agora entrar na discussão quasi-filosófica do que se entende por “mal-estar”. Para o efeito desta discussão, permitam-me definir aqui mal-estar como algo que o animal efectivamente SENTE como nocivo e que está motivado para evitar.
    Evidentemente, para uma dada espécie animal podemos conceder que haja diferentes tipos e graus de mal-estar – por exemplo, muitos de nós preferiríamos uma dor de cabeça àquela associada a uma fractura óssea – e não será difícil aceitar que esta variabilidade da intensidade, percepção e entendimento da dor (ou mal-estar, no geral) variará também de espécie para espécie.
    Se as espécies animais forem de vertebrados com sistemas nervosos e mecanismos sensoriais similares aos nossos, é para mim um pouco mais fácil entender o que poderá ser nocivo, por proxy. Aliás, é recomendado que em experiências em animais que envolvam infligir dor, o experimentador teste o estímulo em si primeiro (haverá sempre diferenças, quanto mais não fosse somente devidas a questões mais “mecânicas”, como a diferença das massas, da espessura da pele, etc.)
    Por ser mais fácil ter estes animais em consideração, não será de admirar que estejam contemplados na lei, ao passo que outros não o estão. Mas à medida que nova informação é disponibilizada sobre a senciência dos invertebrados (dando-se o habitual hiato que leva a que informação científica seja tida em consideração na política), a protecção vai-se estendendo a alguns representantes deste grupo (de classificação prática, não sistemática), e o caso mais paradigmático é o polvo.
    Agora, seja em termos éticos, científicos e legislativos, deparamo-nos com, por um lado, a ainda escassa informação sobre a senciência dos invertebrados, por outro, com a incapacidade (dos políticos, principalmente, mas não só) de, na prática, ter em consideração todos os pedaços da já considerável quantidade de informação existente.

    De novo, “Where fo we draw the line?”

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