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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Podemos privatizar o bem-estar animal?

Quer queiramos, quer não, as privatizações estão na ordem do dia. Enquanto se discute politicamente onde se deve colocar a fronteira entre aquele que pode ser gerido pelo mercado e o que deve ficar nas mãos do estado, queria trazer para o animalogos uma pergunta provocadora: Podemos privatizar parte do sistema responsável pela protecção do bem-estar animal?

Para acalmar quem fica imediatamente chocado com a ideia, deixe-me fazer o paralelo com a agricultura biológica. Quem escolhe este modo de produção, seja de plantas ou de animais ou ambos, e quer colocar os seus produtos no mercado como provenientes de agricultura biológica tem que participar num programa de certificação. Existem vários organismos privados credenciados para fazer o controlo e a certificação, cada um funcionando com a verba gerido pelos pagamentos dos produtores. O Estado não certifica, delegou esta capacidade – e é assim em muitos estados-membros na União Europeia. 

 
Podíamos considerar um esquema semelhante para as normas de bem-estar animal?

Há uma diferença importante que tem a ver com a obrigatoriedade. O agricultor pode optar pelo modo de produção biológico ou a agricultura convencional. Pode ainda escolher produzir segundo as normas de agricultura biológica, mas vender os produtos sem rótulo de biológico, e assim não precisa de certificação. No que diz respeito às normas de bem-estar animal definidas na legislação, quem mantém animais não tem opção, tem que cumprir. Logo, se o esquema de fiscalização for privado e financiado por quotas, obriga-se todas as pessoas que mantêm animais que são cobertos pela legislação a pagar. Por outro lado, isto não é diferente do que ocorre em muitas áreas mesmo que não privatizados. Se quero ter um passaporte tenho que pagar, se quero conduzir o meu carro na estrada tenho que pagar a revisão. 

Mas então, por que razão pensar em privatização, porque não simplesmente começar a cobrar as inspecções e a administração ligada a licenciamentos e deixar que estas receitas financiam a actividade dentro da administração pública do qual agora faz parte? O especialista em administração pública, economia ou direito terá o seu ponto de vista sobre a questão, o meu é de um utilizador de um sistema público que parece padecer gravemente de recursos. Perante o actual cenário português de contenção financeira, parece-me pouco provável que algum gestor da administração pública terá a coragem de propor a contratação de mais técnicos – que é exactamente o recurso que mais limita uma fiscalização eficaz e rápida. Ao contrário disto, uma entidade privada podia criar postos de trabalho para pessoas qualificadas, o que seria uma vantagem adicional.

Será um sistema privado menos transparente, mais influenciável do que um sistema público? Não me parece óbvio que assim seja; se criada uma entidade privada para fazer parte dos trabalhos, este terá naturalmente que relatar à autoridade competente que mantém a ultima responsabilidade. 

Será mais caro? Um sistema privado com recursos suficientes para funcionar será naturalmente mais caro do que um sistema público com falta de recursos, mas não precisa de um orçamento maior do que um sistema público com meios adequados. O trabalho a executar é o mesmo e não é no nível técnico que os salários no sector privado são mais altos do que no público. Será inevitavelmente mais caro para o utilizador do que o actual sistema que não cobre taxa nenhuma – mas a comparação é pouco relevante, as taxas serão introduzidas mesmo se não houver delegação nenhuma de capacidades. 

Fiz a minha proposta: que consideramos a possibilidade de criar entidades privadas com um papel na promoção do bem-estar animal. aos quais o estado pode delegar parte do trabalho nesta area. E a vossa resposta, caros animalogantes?

9 comentários:

  1. Aprecio o arrojo com que abordas este tema, mas como dizia alguém(?) é preciso saber onde estamos para saber onde queremos ir. E em termos de controlo do bem-estar animal (BEA) em Portugal eu não sei bem onde estamos. Isto é, eu sei identificar as leis que regulam o BEA, sei quais as autoridades competentes (Direcção Geral de Veterinária, enquanto autoridade veterinária nacional e Direcções Regionais de Agricultura enquanto autoridades veterinárias regionais) mas desconheço qualquer programa concertado de reconhecimento, controlo ou promoção do BEA. Aliás, no site da DGV somos informados que a Direcção de Serviços de Saúde e Protecção Animal tem uma divisão de Bem-estar mas as suas funções são desconhecidas...

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  2. O termo que se usa na legislação é "protecção animal".

    Aqui
    http://www.dgv.min-agricultura.pt/portal/page/portal/DGV/genericos?actualmenu=150266&generico=150127&cboui=150127
    encontramos 6 áreas, cada um com o seu conjunto de documentos legais:
    Protecção dos Animais com Interesse Pecuário
    Protecção dos Animais no Transporte
    Protecção dos Animais no Abate
    Protecção dos Animais de Companhia
    Protecção dos Animais em Parques Zoológicos
    Protecção dos Animais para Fins Experimentais

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  3. E li a tua resposta rápido demais, agora vejo que a questão que levantas não é essa. Mas sim, para que um sistema funcione, ter legislação adequada é um passo importante mas não suficiente, é preciso ter os mecanismos para promover o cumprimento da legislação e fiscalizar o mesmo. Penso que é informação sobre estes mecanismos que procuras, certo?

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  4. Tocaste num ponto fulcral da questão. O termo "protecção animal" reflecte um paradigma antropocêntrico e positivista na abordagem ao bem-estar animal: o último só o é em função do primeiro, sendo que "protecção" se refere mais às medidas que o consumidor considera aceitáveis do que propriamente ao interesses do animal.

    E gostava também de completar a tua lista de legislação em animais de produção com não menos importante legislação em animais de companhia (e.g. DR, Nº 290, Série I-A), cuja implementação também é responsabilidade da DGV.

    Portanto, e como conclúis, o meu argumento refere-se a uma ausência de cultura de promoção do bem-estar, em função do benefício directo aos animais, e não apenas o controlo das medidas mínimas de "protecção animal" inscritas na lei.

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  5. Estive a reler as minhas palavras e até a mim me pareceram excessivas. É claro que a DGV é antropocêntrica: é feita por pessoas, para proteger a saúde de pessoas. É claro que a DGV é positivista: tem que basear as suas políticas em dados científicos sólidos e quantificáveis. Mas ainda assim me parece que a DGV ainda não incorporou a ciência do bem-estar animal no seu modus operandi.

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  6. A importancia das palavras (protecção animal, tratamento humano, bem-estar animal, direitos dos animais) merece um post em si, a historia de medicina veterinária também.

    Mas um ponto e uma pergunta fica para aqui:

    O termo protecção animal vem das directivas europeias que formam a base para a maior parte das leis portuguesas na materia. E o termo é recorrente sobretudo nas linguas germanicas.

    O que implica incorporar a ciência do bem-estar animal? O que mudava em termos práticos?

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  7. No próximo dia 18 de Dezembro vou partilhar com o Prof. Humberto Rosa uma sessão direccionada a investigadores interessados em bem-estar animal no I Congresso da PSIANIMAL e estou certo de que a sua comunicação "Bem-estar Animal e Política" em muito nos ajudará a responder a esta pergunta.

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  8. Nos Estados Unidos foi iniciada uma certificação por uma ONG – The Marine Aquarium Council com base nas recomendações do relatório de 2003 do Programa Ambiental das Nações Unidas. Esta tarefa foi iniciada em 1998 e desde então esta entidade tenta criar um sistema para a certificação do comércio de corais e de peixes tropicais de água salgada desde a captura até à venda. Mas os resultados têm sido difíceis de obter. Os seus esforços centraram-se em criar uma rede de mergulhadores e exportadores certificados mas tem-se provado especialmente difícil fazer com que os mergulhadores sigam as boas práticas indicadas para uma certificação e os lojistas têm relutância a mudar de fornecedor o que inviabiliza todo o projecto. Sem um fornecimento constante de animais certificados as lojas não apostam na certificação recorrendo ao fornecimento normal. É uma batalha que se tem provado longa mas está longe de acabar e hoje em dia já há algumas lojas que orgulhosamente expõem a sua certificação.
    Como se pode verificar é possível privatizar o bem-estar dos animais e a preservação ambiental em diferentes situações. Mas como sempre é uma questão de adaptação do animal-humano acima de tudo. De um modo geral mesmo as lojas de animais deveriam ter uma certificação de bem-estar animal e de preferência por grupo de animais: peixes, roedores, répteis, anfíbios, cães, gatos pois não poderemos generalizar para realmente permitir bem-estar e seria uma forma de quem abrir uma loja de animais ter de saber efetivamente a importância do que está a fazer para enriquecer a vida dos animais humanos e não-humanos e consequentemente ter habilitações para explicar aos clientes a melhor maneira de manter esse bem-estar animal nas suas casas.

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  9. Cara Rita,
    obrigada pelo seu comentário. Nele, aponta um aspecto interessante e positivo de iníciativas privadas é a possibilidade destes ser ter aplicação internacional. Um exemplo muito interessante disto é o Global Animal Partnership, uma iníciativa que visa a melhorar as práticas na produção animal. Nasceu nos Estados Unidos, onde a tradição política é muito diferente da europeia e por consequência as iníciativas na promoção e controle de bem-estar animal são quase exclusivamente privadas. Mas está em vias de expansão - quando encontrei a directora em finais de Junho ela estava a iníciar uma digressão europeia de duas semanas para procurar parceiros. Vamos apresntar Global Animal Partnership em mais detalho no animalogos no próximo ano; para já fica aqui o endereço do website. http://www.globalanimalpartnership.org/

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