Anna Olsson: Olá Matthias Kaiser. Num artigo recentemente apresentado na última reunião da European Society for Food and Agricultural Ethics, o Matthias argumenta que os consumidores alemães deviam ser menos presunçosos em relação aos peixes que consomem e aceitar que a aquacultura sustentável é uma boa maneira de produzir peixe. Poderia descrever o seu raciocínio aos leitores do animalogos ?
Matthias Kaiser: Obrigado por me darem esta oportunidade. Eu procurei abordar a típica atitude do género: "Ei, mesmo quando a aquacultura é bem feita, eu vou sempre para o peixe selvagem, que, de qualquer forma, é melhor e mais sustentável - não se pode vencer a natureza, pois não?" Eu acredito que isto é errado por várias razões, entre as quais razões éticas. Uma razão é que estamos seriamente a sobrepescar os stocks naturais nos oceanos, o que também resulta em preços mais elevados para o peixe selvagem capturado. Os padrões de consumo baseados em produtos da pesca só podem ser mantidos pelas partes ricas do mundo, excluindo a maioria das outras pessoas. Isto resulta no privilégio dos ricos em explorar os comuns em detrimento dos pobres. Além disso, e considerando mais uma vez as partes mais pobres do mundo, deve-se olhar para a questão das mudanças climáticas. Embora tenhamos sido nós, os mais ricos, a provocar o problema, são os países mais pobres quem já está a sofrer os seus efeitos. Uma boa forma de ajudar esses países a superar os piores problemas das alterações climáticas é envolvermo-nos em trocas comerciais de produtos de aquacultura, o que também contribui positivamente para o seu desenvolvimento social e económico. Assim, comprar peixe proveniente desses países seria uma – ainda que pequena – forma de assumirmos alguma responsabilidade pelos problemas que causamos.
AO: O debate na Alemanha tem sido, talvez, mais focado nos aspectos ambientais, mas o cepticismo em relação à aquacultura é bem conhecido também em Portugal, onde nenhum restaurante iria falar com orgulho de seus peixes provenientes de aquacultura e onde escritores gastronómicos falam pejorativamente em "peixe enjaulado". ou "de aviário" Tem alguma mensagem para eles?
MK: Essa expressão traz-nos imediatamente à memória "porcos enjaulados" ou "galinhas enjauladas" e mostra que os consumidores actuais começaram a preocupar-se com o bem-estar animal, e não apenas com o preço ou a qualidade do produto. (Nota da animalogante: Penso que é mais na qualidade do produto do que na qualidade da vida do animal que se pensa quando se fala do "peixe do aviário"). Vejo-o, de um ponto de vista ético, como um bom desenvolvimento. O problema, no entanto, está em agruparmos coisas que deviam ser avaliadas de forma separada. Em primeiro lugar, até mesmo os piores casos de "galinhas enjauladas" podem não ser um argumento suficiente derrubar todos os tipos de produção em grande escala. Na verdade, é justamente por estarmos dependentes da produção animal em larga escala que precisamos de melhorar o bem-estar animal desses animais. Em segundo lugar, em aquacultura isso depende em grande medida da espécie e do tipo de sistema utilizado. Na Noruega, os produtores de salmão aprenderam da pior maneira que uma densidade muito grande nas gaiolas afecta seriamente a qualidade do produto e aumenta a probabilidade de surtos epidémicos. Eles também aprenderam que o animal precisa de um ambiente onde o comportamento natural de natação não é restringido. Infelizmente, apenas nos últimos anos emergiu uma investigação que visa uma compreensão mais holística do bem-estar em peixes, e que só lentamente vai influenciando a indústria. Além disso, a densidade de peixe não é sempre um problema, tudo depende das espécies de peixes e do ambiente: os peixes-gato preferem estar muito próximos uns dos outros em águas lodosas, já que nas águas cristalinas eles se sentem ameaçados. Onde eu quero chegar é que é possível manter o bem-estar em aquacultura, o que muitas vezes já é feito. Há pontos de equilíbrio entre, por um lado, bem-estar animal e produção em grande escala, por outro.
Assim, a minha mensagem para os consumidores portugueses seria: "Comece fazendo perguntas mais exigentes em restaurantes ou supermercados, como por exemplo: de onde é que vem este peixe? A sua produção e comercialização são certificadas de alguma forma, em particular no que diz respeito a sustentabilidade ambiental, bem-estar animal e ética comercial? "
AO: Sendo eu própria agronoma, sou um pouco céptica em relação à aquacultura por um motivo muito diferente. Todos os animais terrestres que cultivamos para obtenção de carne alimentam-se essencialmente de plantas, mas os peixes de cultivo são geralmente de espécies carnívoras (as excepções, como a carpa, não são geralmente aceites na Europa como espécies alimentares). Sabemos, a partir das discussões sobre sustentabilidade, que a produção de proteína animal para consumo humano é muito mais ineficiente do que se os humanos comessem directamente a proteína vegetal. Agora, obter proteína animal consumindo peixes que por sua vez se alimentam de proteína de peixe, isso não aumenta o problema exponencialmente?
MK: Agora colocou o dedo na questão mais importante: estaremos simplesmente a usar peixe barato para produzir peixe caro? Por outras palavras, podemos justificar eticamente a alimentação de peixes com proteínas derivadas de outros peixes? [Para tornar a questão ainda mais complicada, devemos acrescentar que também os animais terrestres são, em grande medida, alimentados com ração contendo proteína de peixe, ou seja, uma quantidade significativa da produção industrial de farinha de peixe e de óleo de peixe vai para a agricultura industrial (porco, aves, ruminantes, etc.)]. Concordo plenamente consigo que o uso de proteínas de peixe na alimentação animal deve ser reduzida, ao invés de aumentar. Eu não concordo que a questão esteja na eficiência de conversão energética. Mas, mais uma vez, o diabo está nos detalhes:
Na aquacultura, a "pior" espécie é o salmão (atum e alguns outros, também), ou seja, em princípio, quaisquer espécies carnívoras no topo da cadeia alimentar. O problema é que estas espécies têm o valor de mercado mais elevado e são, portanto, muito procuradas. Nós, os países ricos, somos os principais produtores de salmão, principalmente a Noruega e a Escócia (na Europa). Os produtores de salmão também já perceberam que a proteína de peixe é um ingrediente problemático na alimentação dos peixes, por causa do aumento dos preços. Por isso estão a reduzir a quantidade de proteína de peixe na alimentação (substituindo-a, por exemplo, por soja) e têm tido algum sucesso a fazê-lo. Eles também mencionam o facto do salmão ser um conversor de energia muito eficiente, muito mais eficiente do que qualquer outro animal de produção.
Mas eu sou mais optimista em relação a todas as outras espécies que importamos, em especial da Ásia. O peixe-gato (Pangasius) é uma espécie omnívora, assim como o tilápia. Os camarões também comem todo o tipo de coisas, e são, portanto, muito menos dependentes de suplementos de proteína de peixe. A ração de camarões é feita, em grande medida, de subprodutos da pesca, inaproveitável para consumo humano. Em muitos lugares a aquacultura está integrada com a produção agrícola (por exemplo, peixes com aves, usando os excrementos de aves para alimentar os peixes). Embora seja verdade que a carpa não é muito popular na Europa e os EUA (embora seja muito popular na China), ainda temos a opção de incluir espécies na nossa dieta que são menos exigentes em termos de proteína de peixe (N.T. é o caso da truta).
Em suma, o meu argumento é o seguinte. A não ser que nos tornemos todos vegetarianos (que é uma opção ética, mas não necessariamente abraçada por todos nós), se quisermos ter um estilo de vida saudável, com redução dos efeitos climáticos deletérios, devemos: (i) comer mais produtos aquáticos (e muito menos carne), (ii) escolher os produtos aquáticos, provenientes de aquacultura sustentável e certificada, e (iii) privilegiar o consumo de espécies omnívoras, que exigem menos proteína de peixe na sua alimentação. O que precisamos é de um consumidor consciente que faz perguntas mais exigentes e específicas, e uma indústria que responde à necessidade de corrigir as formas insustentáveis de produção.
Traduzido do inglês por Manuel Sant’Ana (segundo a antiga ortografia).
Aquilo que mais me impressionou quando estava a traduzir a entrevista foi a noção de que consumir peixe selvagem - pelo menos, a sua maioria - é um privilégio dos países ricos. Isto vai contra o senso comum na medida em que temos tendência a pensar que o peixe dos oceanos está disponível para todos e que o acesso a peixe de cultivo requer mais recursos económicos. E facto, é o oposto que se verifica. Com a diminuição dos stocks, só as grandes frotas dos países ricos (Portugal está cada vez mais fora desta elite...) é que tem capacidade em aceder ao peixe mais valioso. Com uma agravante; a imposição das quotas e o baixo valor dos outros peixes vítimas de bycatch (normalmente peixes "vegetarianos"), faz com que estes sejam lançados borda fora, poluindo os oceanos e desperdiçando recursos vitais. E o pior é que isto se passa muitas vezes nas águas dos países pobres, que não têm acesso aos seus próprios recursos marinhos.
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