No ANIMALOGOS temos vindo a defender formas de produção pecuária mais holísticas e menos intensivas e já aqui abordámos algumas das principais questões éticas relacionadas com o consumo de carne. Em A Ética de um Bom Bife, a Anna Olsson apelou a uma diminuição do consumo em bases ambientais e nutricionais, ao passo que Peter Sandoe em Meat is Murder contextualiza o acto de matar um animal para o comer. No que me diz respeito, vou procurar defender o valor das raças autóctones no contexto de uma pecuária tradicional.
Várias notícias que têm vindo a público fizeram-me pensar sobre este assunto. O Jornal Público de hoje (de onde vem a excelente fotografia de Rui Gaudêncio) noticia que "um rebanho de cabras vai ser utilizado para reduzir os riscos de incêndios florestais no planalto de Jales, em Trás-os-Montes" (pode encontrar a notícia aqui). É uma estratégia de adição de baixos valores na procura de um valor maior: os terrenos têm reduzido valor agrícola e florestal, estão abandonados (e com elevada biomassa) e as cabras são animais com baixo valor nominal. No entanto, as cabras são também animais altamente adaptados ao clima, terreno e vegetação da região, permitindo maximizar recursos que de outra forma se perderiam.
Este exemplo vem reforçar a minha visão de que os animais domésticos que nos acompanham há centenas ou mesmo milhares de anos fazem, de facto, parte daquilo a que chamamos natureza. Eles não devem ser vistos como um produto da acção humana que interfere no ambiente, destabilizando-o, mas sim como parte integrante do meio ambiente. Voltando às cabras, elas não só podem contribuir para a prevenção de fogos, como contribuirão para o próprio ecossistema: seleccionando as plantas que ingerem, fertilizando os solos, e fazendo parte da cadeia trófica do lobo ibérico. De um ponto de vista ecocêntrico, as espécies estão interligadas, independentemente de serem domésticas ou selvagens.
Por isso é que a investigação em recursos genéticos e biológicos é tão importante. A criação do Banco Português de Germoplasma Animal em 2010, vem permitir o estudo e preservação do património genético das raças autóctones, conferindo às gerações futuras a capacidade de melhor se adaptarem às alterações no seu ambiente (muitas das quais provocadas por nós). Na esteira de Hans Jonas, é nossa responsabilidade defender a pecuária tradicional como parte da "dignidade própria da natureza". Os desafios são, porém, imensos. Caso paradigmático é o Porco Alentejano (porco preto), raça autóctone criada em regime extensivo e alimentada a bolotas durante a maior parte da sua vida. O Porco preto poderá estar em risco de extinção porque sofre a concorrência de produtos não diferenciados e porque depende do ecossistema do montado que, apesar do seu elevado valor ecológico (ver documentário da BBC), está também em declínio.
Este exemplo vem reforçar a minha visão de que os animais domésticos que nos acompanham há centenas ou mesmo milhares de anos fazem, de facto, parte daquilo a que chamamos natureza. Eles não devem ser vistos como um produto da acção humana que interfere no ambiente, destabilizando-o, mas sim como parte integrante do meio ambiente. Voltando às cabras, elas não só podem contribuir para a prevenção de fogos, como contribuirão para o próprio ecossistema: seleccionando as plantas que ingerem, fertilizando os solos, e fazendo parte da cadeia trófica do lobo ibérico. De um ponto de vista ecocêntrico, as espécies estão interligadas, independentemente de serem domésticas ou selvagens.
Por isso é que a investigação em recursos genéticos e biológicos é tão importante. A criação do Banco Português de Germoplasma Animal em 2010, vem permitir o estudo e preservação do património genético das raças autóctones, conferindo às gerações futuras a capacidade de melhor se adaptarem às alterações no seu ambiente (muitas das quais provocadas por nós). Na esteira de Hans Jonas, é nossa responsabilidade defender a pecuária tradicional como parte da "dignidade própria da natureza". Os desafios são, porém, imensos. Caso paradigmático é o Porco Alentejano (porco preto), raça autóctone criada em regime extensivo e alimentada a bolotas durante a maior parte da sua vida. O Porco preto poderá estar em risco de extinção porque sofre a concorrência de produtos não diferenciados e porque depende do ecossistema do montado que, apesar do seu elevado valor ecológico (ver documentário da BBC), está também em declínio.
Mas o apelo às raças autóctones não se aplica por igual a todas as formas de produção pecuária devido ao conflito entre valores biológicos-ecológicos e económicos. É o caso do leite onde o factor quantidade suplanta qualquer apelo à sustentabilidade. Mas mesmo num cenário "monomarca" em que a variabilidade genética é muito reduzida (praticamente todos os animais são de raça Frísia-Holstein) é possível diferenciar produtos e caminhar no sentido de uma maior sustentabilidade. Um estudo científico (a confirmar) realizado pelo Instituto Nacional de Recursos Biológicos traz algumas evidências de que a carne de bovinos açorianos (mesmo sendo de vacas leiteiras refugadas) tem características benéficas para a saúde de consumidores. De facto, o leite açoriano é produzido num regime semi-intensivo, em que as vacas têm acesso a pasto. Isto resulta, associado a um bom maneio, num maior potencial de bem-estar animal, numa menor dependência de alimentação comercial e em produtos mais saudáveis.
A pecuária tradicional e a sua sustentabilidade é um assunto que me é muito caro. Como dizes aqui, trata-se de facto de um agro-ecosistema com a sua própria estabilidade, confirmado pelo facto de que séculos deste tipo de agricultura não têm degradado o ambiente. Provavelmente antes pelo contrário: embora desconheço dados portugueses sobre a questão, sabemos de outros países de Europa que pastos extensivos ou semi-naturais são reservatórios importantes de biodiversidade.
ResponderEliminarQuando se critica a pecuária pelo seu nefasto impacto ambiental – uma crítica sem duvida relevante para a vastíssima maioria – esquece-se muitas vezes que pecuária não é destrutivo por inerência. A prática humana de manter animais para comer os produtos que derivam deles tem razões de existir, uma questão que às vezes se perca no debate.
O agrónomo e estudante de doutoramento Ruben Boonen de Leuven apresentou no congresso de EurSAFE uma palestra onde discutiu exatamente isso. Na sua “Feed efficiences in animal production: a non-numerical analysis”, ele divide a pecuária em três categorias:
- Produção em terrenos inutilizáveis para outros efeitos
- Conversão de proteína e energia inutilizáveis para outros efeitos
- Produção de superavit
O que distingue os primeiros dois do terceiro (que descreve a vastíssima maioria da produção animal contemporânea) é a questão de competição pela utilização do terreno. Nos primeiros dois casos, os animais comem o que o ser humano não pode, no terceiro caso cultiva-se cereais e leguminosos para alimentação de animais de pecuária enquanto os mesmos terrenos e até as mesmas culturas podiam ter sido utilizados diretamente para alimentação humana.
Isto se calhar são dados mais ou menos adquiridos para quem se interessa por estes assuntos. No entanto, às vezes é preciso lembrar-se do que é tão óbvio que corre o risco de ser esquecido. O que eu guardei em particular da palestra do Ruben Boonen foi a observação que aproveitamos não só a fisiologia dos animais (por exemplo a capacidade dos ruminantes de digerir celulosa) mas também o comportamento para converter o que é inacessível a nós em produtos como carne e leite. O tradicional pastoreio com pastor é um excelente exemplo disto, em que a cabra ou a ovelha faz o trabalho de encontrar o que é nutritivo e bom, seja nos arbustos ou no chão. Ou debaixo dele, se falamos de porcos ou galinhas.