Esta história soube-a há dois meses atrás por uma crónica da Ana Bacalhau no DN. O artista de Taiwan Tou Yun-Fei capta uma última imagem de cães vadios minutos antes de serem eutanasiados (saiba mais aqui). O projecto chama-se Memento Mori e pretende chamar a atenção para o abandono de animais naquela ilha do sudeste asiático. A pose estudada, aliada ao equilibrado jogo de luzes, confere uma qualidade particular às fotografias. De tal forma se assemelham a retratos humanos que quase somos levados a acreditar que os cães estão, de facto, conscientes do seu destino o qual encaram com dignidade. Mas podem os cães - abandonados ou não - ter dignidade?
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sexta-feira, 28 de setembro de 2012
9 comentários:
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A pergunta é deveras interessante: Podem os cães ter dignidade?
ResponderEliminarNa minha opinião a dignidade não existe sem ética e a ética é inerente à existência humana.
Se os cães (ou outros animais -sei que a designação é muito lata-) tiverem dignidade, então estariam na esfera do humano... o que me parece muito discutível.
Aliás a preparação, semelhante a retratos humanos, antropomorfiza os actores e fá-los parecer dignos de si...
Muito interessante a abordagem, digna de uma reflexão "filosófica", séria, sobre onde acaba o ser humano e o ser não-humano e aquilo que realmente nos distingue...
Tem toda a razão no que diz, Miguel Ângelo. Ter dignidade envolve ter a percepção do nosso lugar no mundo e no contexto de outras mundividências (que marcam a fronteira entre o digno e o indigno). E nesse caso, cães e outros animais estariam fora do conceito. No entanto, na ética médica ouve-se falar muito da "dignidade da pessoa humana" onde normalmente se incluem crianças recém-nascidas e idosos senis, que também não possuem uma percepção do seu lugar no mundo. Assim sendo reformulo a pergunta: fazendo os cães parte do nosso mundo (não porque o mundo seja nosso mas porque o partilhamos com outros seres), terão eles uma dignidade própria?
EliminarPoderão ter alguma coisa própria, mas, sempre na minha opinião, não será dignidade pois considero-a ligada à ética e essa está na esfera do humano.
EliminarTambém as baratas fazem parte do nosso mundo e nem por isso considero a sua existência ponderável à luz de qualquer conceito de dignidade...
Infelizmente também considero muitos adultos saudáveis, não senis, pouco dignos da condição humana, facto que terá gerado a justiça e a sua administração e daí se falar da condição humana, mesmo se um indivíduo da nossa espécie estiver encarcerado.
A condição é humana, relativa à espécie humana e não de cada um dos seus membros individualmente... posso até ser apontado como "especista", mas também essa matéria é discutível...
Assim, não me parece que os cães tenham uma dignidade própria, essa questão só se coloca porque outra espécie (humana) se questiona sobre isso... Já reparou que não havendo espécie humana à face da Terra, este assunto não existia?
De facto, assim é. O mesmo se passa, p.e., com os direitos: para um animal ter direitos é necessário que alguém lhos conceda (mesmo tratando-se de direitos naturais). Se não houvesse humanos à face da terra, também não existiriam cães abandonados e a questão não se punha. Mas chegados que somos à metafísica, voltemos à física, e em concreto aos animais abandonados: porque é que muitas pessoas (a maioria?) consideram inaceitável que se abata (mesmo de forma humanitária) todos os animais abandonados? Porque é que tantas pessoas dedicam a sua vida - ou boa parte dela - a acolher, tratar e adoptar cães abandonados? Porque não eliminar o problema pela raiz com uma injecção letal indolor? Talvez porque as mesmas pessoas considerem que esta última hipótese viola a dignidade intrínseca desses animais. E aqui regressamos às fotografias e à sua mensagem.
EliminarMas eu não hostilizo quem não tem a mesma opinião que eu tenho... nem estou certo que a minha opinião seja melhor que outras... Suponho que os cães tenham direitos na exclusiva medida que os humanos têm deveres para com esses animais.
ResponderEliminarO problema dos cães abandonados não se resolve com a sua eutanásia sistemática, nem com qualquer outra "medida técnica" de per si... a abordagem terá se ser holística... nesta perpectiva, o "MEMENTO MORI" de Yun-Fei Tou é uma "instalação" extraordinária enquanto "agitador de consciencias"...
Porque é que muitas pessoas consideram inaceitável a eutanásia de todos os animais abandonados?
Acredito que as razões poderão ser diversas... eu acho que simplesmente isso não resolve a situação de abandono de forma sustentável (como agora se usa dizer)... mas também não é menos verdade que o dever de humano me aflige nesta altura...
Porque é que tantas pessoas dedicam a sua vida a acolher, tratar e adoptar cães abandonados?
Não me parece que acha uma única resposta... identifiquei muitas razões para tal circunstância... conheço humanos que abandonaram a sua própria dignidade pessoal numa luta inglória e sem resultado sustentável (como se usa dizer) para resgatar mais e mais animais abandonados...
Na minha opinião estamos a abordar muitas questões em simultâneo e de forma não sistematizada o que dificulta, mas em todo o caso sempre concluo dizendo que a eutanásia não deve ser avaliada como metodologia seja do que for, mas como um último recurso que só a ponderação ética poderá satisfatoriamente aconselhar em cada caso... e mesmo assim não é certo que duas pessoas com o mesmo referencial de valores éticos decidissem da mesma maneira o mesmo caso ou até que a mesma pessoa em alturas diferentes e em contextos diferentes decidisse coerentemente.
Touché!
EliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarEste o meu comentário de certo modo passa ao lado da discussão que já começaram a desenvolver, porque tenho andado a refletir sobre a questão colocado no post original e o contexto em que este é colocado.
ResponderEliminarPara mim, isto é um exemplo de quando arte é o meio mais eficaz de comunicação. Recorda um ensaio dos filósofos Michael Allen Fox e Lesley McLean (Animals in moral space. Em Castricano, J (org) 2008 Animal Subjects Wilfried Laurier University Press), onde argumentam que a discussão intelectual não chega. Não é suficiente atribuirmos intelectualmente estatuto moral aos animais para assegurar que estes sejam tratados com respeito; temos que passar a sentir que o espaço moral que habitamos é um que partilhamos com os outros animais.* Allen Fox e McLean sugerem que para fazer isto devemos “focus on particular examples, which requires discussion of individual situations involving nonhuman animals”, e o exemplo mais forte que utilizam vem da arte - “a poem describing the experience of a young girl and the owl whose life she takes”.
E tendo já tirado o meu chapéu de cientista, permito-me continuar numa tradição intelectual um pouco menos reducionista. De certo modo dignidade está “in the eyes of the beholder”. Quando observamos estas fotografias, quando achamos inaceitável tratar um cão como achamos normal tratar um porco, podemos dizer que estamos a ser irracionais. Mas se optamos por outra linguagem, podemos também dizer que há mais num cão do que apenas o individuo a nossa frente com a sua vida, a sua dor e alegria – ele é também um representante da espécie Canis lupis familiaris, que biologicamente falando tem milhares de anos de co-evolução com a nossa espécie e culturalmente falando é “o melhor amigo do homem”. O que parece particularmente preocupante pode ser descrito como a quebra do acordo moral que temos com àquela espécie. Não quero com isso afirmar (nem necessariamente negar) que isto valida a nossa particular preocupação com os cães. Mas não consigo deixar de pensar nisto, quando estou a tentar perceber onde – entre o meu olhar, a minha reflexão sobre o que vejo, o olhar do fotografo e o animal fotografado - a dignidade se situa.
* Estou a traduzir literalmente as minhas palavras em inglês de uma critica deste livro que escrevi para Animal Welfare em 2009, e reparo agora quão próximas elas são dos do primeiro comentário do Manuel: “fazendo os cães parte do nosso mundo (não porque o mundo seja nosso mas porque o partilhamos com outros seres)”
Se os cães podem ter dignidade? Bom, depende da definição que considerarmos. Para mim, "dignidade" é mais uma de um conjunto de palavras vagas e com múltiplos e bastante distintos significados que, por vezes, servem de distração em discussões que se querem claras e o menos ambíguas possível. De acordo com o dicionário, um dos significados de dignidade é "qualidade de digno". A palavra digno tem todos estes diferentes significados:
ResponderEliminar"1. Merecedor, credor, benemérito.
2. Brioso; pundonoroso; honrado; correto.
3. Ilustre; grande; nobre.
4. Hábil; capaz.
5. Merecido; correspondente ao merecimento; proporcionado."
Parece-me que alguns se podem atribuir a cães, como "hábil; capaz", enquanto outros não, caso de "brioso; pundonoroso; honrado; correto". Sendo assim, é impossível dizer se um cão pode ter dignidade, sem antes clarificarmos o que queremos dizer com dignidade e com digno.
Mas mais importante que tudo isto, é o facto da existência ou não de dignidade em cães ser irrelevante para a questão de saber se os seus interesses devem ou não ser considerados em decisões que os afetem; na minha opinião, se esses interesses existirem, devem ser considerados.