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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Beyond animal rights: Crítica de livro


Esta crítica do livro Beyond Animal Rights: food, pets and ethics, Tony Milligan; Continuum International Publishing, foi originalmente publicada na revista Animal Welfare.
 
Este livro propõe como tema a ideia do vegetarianismo estar longe de ser moralmente perfeito, e de como isso não serve como uma desculpa para a maior parte de carne que a maioria de nós come. Assim vale a pena ler, seja qual for a dieta preferencial de cada leitor - e quem preferir uma versão curta da crítica deste livro, pode parar de ler por aqui. Mas neste caso, leia o livro (ou pelo menos os seus primeiros cinco capítulos).

Tom Milligan é Honorary Research Fellow em Filosofia na Universidade de Aberdeen, e esta a sua reflexão sobre o consumo de carne é publicada na série “Think Now” (da editora Continuum)  de “livros acessíveis que examinam problemas-chave da sociedade contemporânea de um ponto de vista filosófico”. De facto, o livro de Milligan encaixa perfeitamente nesta descrição; a sua escrita clara e bem fundamentada proporciona uma leitura agradável e intelectualmente estimulante. 

A problemática da ética animal ocupa uma posição central, mas não é a única perspectiva considerada. Sendo ele próprio vegan, Milligan não considera a perspectiva padrão dos direitos dos animais como a única relevante para uma escolha moralmente guiada das nossas opções alimentares. O seu conceito da alimentação reflecte a abrangência da sua análise: “it involves things of the following sort: enjoyment in and through food, nutritional appropriateness given the condition that we are in; a degree of honesty about what we are eating; some rudimentary knowledge about how our food was produced; eating in a way that enriches our relations with other humans (e.g. it should not involves habitual solitary consumption); eating in a way that is consistent with our values and/or expresses those values; having values that are themselves of a reasonable and defensible sort; eating in a way that involves a practical awareness of the importance of other humans, other creatures and our shared environment” (página 20)

Dos cinco capítulos dedicados ao consumo de carne, o primeiro de todos, “The Depth of Meat-Eating”, oferece um olhar geral e serve de introdução ao tópico. No capítulo 2, “An Unwritten Contract”, explora a ideia de que a agro-pecuária e o consumo de carne oferecem um bom “contrato” aos animais, como grupo, na medida em que lhes permitiu que prosperassem, em número. Por um lado, é um fraco negócio para os animais que pagam pela protecção e alimento com a sua morte precoce, e que por vezes é precedida por uma vida que não vale a pena ser vivida. Por outro lado, em condições que proporcionam uma vida que valha a pena ser vivida, o argumento de que de outro modo estes animais não teriam sequer existido é muito forte. Isto deixa-nos com uma situação “in which rival considerations can be balanced up against each other but no single consideration obviously trumps the others. On the one hand, the opportunity of life argument does real work (...) to give some justification for ethically informed meat-eating. It is the means by which animals come into existence and enjoy some approximation to a good, if short, life. (...) Ethical vegetarianism, on the other hand, might better save the interests of already existing creatures” (página 40)

"Vegetarianism and Puritanism" (Capítulo 3) analisa a possibilidade de que a recusa ao consumo de carne possa ser motivada por algum tipo de puritanismo. Isto não só inclui a ideia de abandonar algo potencialmente desfrutável (este não parece ser o caso para a maioria dos vegetarianos e vegans), de não ingerir algo “sujo” ou alguma maneira prejudicial ao corpo (historicamente verdadeiro; até certo ponto também presente nas motivações contemporâneas), bem como a ideia de manter as mãos limpas do sangue derramado pelo abate dos animais, o que é parcialmente verdade, ainda que “there will always be a blood price to pay for a harvest. The numbers of animals inadvertently killed through harvesting can be reduced with caution (...) but the taking of animal lives cannot be avoided. Recognition of this is a matter of acknowledging that the presence of we humans as part of our planetary eco-system is always, to some extent, at the expense of other creatures. And this is one of the many things that vegetarians, vegans and carnivors have in common” (páginas 62-63).

O capítulo 4, "Diet and Sustainability", foca-se nos aspectos ambientais das diferentes aspectos que envolvem as diferentes opções alimentares. Milligan considera que a produção de carne actual deixa uma pegada ecológica inaceitável, mas também que há terreno que só pode contribuir para a alimentação humana atraves de produção de carne e leite de animais de pastoreio. Tendo em consideração todos os factores (tanto quanto a complexidade do problema o possibilita), Milligan admite que uma dieta contendo pequenas quantidades de carne de origem local e produzida com respeito pelo ambiente, poderá ser tão ou mais sustentável que uma dieta vegetariana. Mas de imediato observa não ser esta a dieta típica de um consumidor de carne, e que “(t)here is just as much danger that the sheer possibility of an eco-friendly carnivorous diet may be used as a stalking horse to provide dubious justification for widespread carnivorous practices that are not nearly as eco-friendly as their practitioners may assume” (página 84). O valor ecológico do consumo limitado de carne, é a razão pela qual o veganismo, como opção universal, poderá ser "The Impossible Scenario" (Capítulo 5), mas que um vegetarianismo universal, que permita alguma produção animal, poderá ser mais exequível. 

Apesar da capa nos mostrar o processo de triagem de salmão (selvagem?) capturado em Vancouver, o livro é na realidade centrado na alimentação humana através da produção agro-pecuária. Millingan faz um trabalho excelente na análise desta actividade, tendo em consideração uma grande diversidade de factores. Infelizmente, os capítulos 6 e 7 (sobre a posse de animais de estimação e experimentação animal) não estão ao mesmo nível do resto do livro e, dado estes temas estarem apenas indirectamente ligados ao tema principal, não fica de todo claro por que razão foram incluídos. A sua omissão numa futura edição tornaria este livro uma pequena mas brilhante discussão do consumo de carne que poderia ser uma leitura obrigatória para todos os estudantes universitários em cursos ligados à produção animal. 

Traduzido do inglês por Nuno Franco.

8 comentários:

  1. Fazendo a devida ressalva por não ter lido o livro e portanto não conhecer em detalhe o argumento da "opportunity of life", tenho que dizer que não me convence minimamente, tanto na teoria como pelas suas implicações práticas.

    No que toca à teoria, não consigo encontrar qualquer sustentação para o argumento quer numa abordagem utilitarista - seres não existentes não têm preferências, nem sentem dor ou prazer - quer numa abordagem baseada em direitos - a existência é um pré-requisito para ter direitos.

    Em termos práticos, esta ideia, aplicada à nossa espécie, resulta numa obrigação moral de procriarmos até ao ponto em que consideramos que o filho potencial já não teria uma vida que valesse a pena ser vivida. Repare-se que este argumento vai bstante mais longe que a Igreja Católica, ao colocar um imperativo moral não só de não recorrer à contraceção, mas também de procriar sempre que possível.

    É como se houvesse uma pool de almas/vidas potenciais, num plano paralelo, à espera de existirem, cujas preferências seriam frustradas se não saírem desse plano paralelo.

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    1. O argumento de oportunidade à vida é problemático, por as razões que defina. Em particular, se visto como uma "obrigação moral de procriarmos até ao ponto em que consideramos que o filho potencial já não teria uma vida que valesse a pena ser vivida". (No entanto, parece-me que só em combinação com utilitarismo, o argumento vai levar a esta conclusão).

      Milligan aborda a questão de interesses de indivíduos que não existem. Sem transcrever páginas inteiras do livro, não posso dar justiça ao análise dele, mas vou citar o que me parece mais relevante:
      “A classic early twentieth-century vegetarian texto, Henry Salt’s ‘The Logic of the Larder’, puts matters bluntly:
      ‘A person who is already in existence may feel that he would rather have lived than not, but he must first have the terra firmae of existence to argue from; the moment he begins to argue from the abyss of the non-existent, he talks nonsense’.
      (...)
      But that cannot be quite right. This response may make it difficult to make any sense of our having obligations to future generations, none who whose members presently enjoy existence.”

      “interests do not presuppose the terra firma of existence, but they do presuppose that the creature in question comes to exist at some point in time. What this leans in the direction of is a position that contemporary philosophers call the Prior Existence View, the view that creatures already have interests if they already exist or if it is the case that they are going to exist”

      Mas vamos abordar o que está em causa de um modo diferente – no comentário seguinte.


      Não tenho o livro do Milligan a minha frente, vou

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    2. Imaginemos os seguintes cenários:
      1) vitelos mantidos em boxes com pavimento ripado e abatidos para carne após 12 meses
      2) vitelos mantidos em cortes com palha e abatidos para carne após 12 meses
      3) vitelos mantidos em pastoreio e abatidos para carne após 18 meses
      4) vitelos mantidos em santuários onde vivem até morrer de idade
      5) sem vitelos

      Imagine agora que só podemos escolher um dos cenários, só um deles é possível em cada momento. Com que opção teremos um mundo melhor?
      E para tornar a decisão mais informada, vamos acrescentar números, que não são empíricos (seria preciso fazer contas complicadas para as quais não tenho a informação necessária) mas que são pelo menos indicativos:
      1) 10 000 vitelos mantidos em boxes com pavimento ripado e abatidos para carne após 12 meses
      2) 5 000 vitelos mantidos em cortes com palha e abatidos para carne após 12 meses
      3) 2 000 vitelos mantidos em pastoreio e abatidos para carne após 18 meses
      4) 250 vitelos mantidos em santuários onde vivem até morrer de idade
      5) 0 vitelos

      Milligan não formula estes cenários, são meus, mas podem ilustrar estas palavras que são deles:
      “to enjoy life at all, some animals have to be born into the world as livestock, otherwise they simply would not be born. Where the animals born into this system enjoy lives that are worth living, as they are in the case of ethically informed farming, they benefit from the practice of meat-eating and livestock rearing.”

      Quanto à visão do Milligan sobre animais de companhia e experimentação, vou responder mais log.

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    3. O argumento sobre as obrigações para com as gerações futuras é bom e eu não tinha pensado nisso antes. No entanto, penso que fica resolvido com a Prior Existence View: devemos considerar os interesses de indivíduos que sabemos que vão existir. No entanto, isto não significa que devemos trazer esses indivíduos para o plano da existência, mesmo se soubermos que os seus interesses serão satisfeitos. Ao passo que o primeiro só implica que levemos em conta os interesses presumíveis dos nossos filhos e netos, o segundo implica que tenhamos filhos e netos para que os seus interesses possam ser satisfeitos. Ora, eu até aceito que, de um ponto de vista utilitarista, haja algum dever moral de ter filhos, para que não sejam só os filhos dos outros a pagar os apoios sociais de que beneficiaremos no futuro, mas esse dever decorre dos interesses dos indivíduos já existentes, e não dos interesses dos nossos filhos e netos.

      Quanto ao exemplo concreto dos vitelos, penso que o utilitarismo clássico levaria a optar pelo cenário 4 em detrimento do 5, uma vez que o 4º implica mais prazer do que o 5º, mas numa perspetiva de utilitarismo de preferências, o 4º e o 5º cenários parecem-me equivalentes: no 4º as preferências dos vitelos estariam presumivelmente a ser respeitadas, no 5º nenhuma preferência estaria a ser contrariada, uma vez que não há preferências de todo. Confesso que gostaria de conhecer a resposta de filósofos utilitaristas a este problema.

      No fim de contas, contudo, não consigo conceber um mundo em que toda a gente mudasse para um consumo de carne ético e fosse possível criar os animais sem violar as suas preferências. Penso que há demasiadas pessoas, demasiada impreparação dos produtores no que toca à produção animal e falta de recursos financeiros e materiais para conseguir assegurar o bem-estar de tantos animais.

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    4. Bem, o argumento de Prior Existence View fica complicado usar neste tipo de exercício de pensamento porque o exercício é mesmo sobre quem virá existir. Funciona melhor numa discussão sobre como devíamos tratar os que sabemos com razoável certeza existirão.

      O que esqueci dizer sobre os cenários é que 1) representa a maior parte da produção atual, embora 2) e 3) também existem. 5) é o que eu própria sempre imagino quando penso em veganismo universal, mas reconheço que 4) também é compatível com esta visão.

      Na perspetiva de direitos dos animais, apenas 4) e 5) são compatíveis com o direito de cada animal ser tratado como um fim em si próprio.

      Não posso dizer ao certo como se irá posicionar um filósofo utilitarsta, mas posso especular. Para o utilitarismo, é o bem somado de todos os indivíduos com interesses que conta. Isto faz com que o nº de indivíduos a ter boas ou mas experiências tem importância. Em si, isto pode levar a conclusões extremas, como Peter Sandoee discute em vários artigos sobre filosofia e qualidade de vida animal (se deixares o teu contacto posso os enviar). Por um lado, há o problema do utilitarismo negativo (ver http://en.wikipedia.org/wiki/Utilitarianism#Negative_utilitarianism): se a principal ambição será de acabar com o sofrimento (sem ter em conta a possibilidade de ter experiências positivas), o melhor é matar todos os seres sencientes que sendo vivos podem vir a sofrer. Por outro lado, se é a soma que conta, pode ser que os 10 000 vitelos com uma vida essencialmente miserável mas com um bocadinho de prazer (por exemplo as duas vezes por dia que são alimentados) produz um bem total maior do que os 250 vitelos que por muito que tenham uma vida excelente são muito poucos em numero.

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    5. Mas o aurtor defende que é a criação de animais para consumo pode ser boa porque permite que alguns animais existam e tenham uma vida que vale a pena ser vidida ou até uma vida boa. Eu adopto a Prior Existence View para argumentar que não há nada de intrinsecamente bom em gerar novas vidas, pelo que a criação de animais deixa de ser boa por esse motivo.

      O autor parece adoptar uma perspetiva de total utilitarianism, que tem como objetivo maximizar a quantidade total de utilidade. Ora, decorre desta visão que gerar vidas que valham a pena ser vividas é bom. Em última análise, esta visão leva à Repugnant Conclusion, de Derek Parfit: http://en.wikipedia.org/wiki/Mere_addition_paradox
      Como eu também considero esta conclusão indesejável, não concordo com o total utilitarianism. Também não concordo com uma das alternativas, o average utilitarianism, por levantar problemas igualmente graves: implica que deveríamos eliminar todas as pessoas cuja felicidade estivesse abaixo da média, para aumentar a felicidade média. O utilitarismo negativo também não é satisfatório, pelas razões que a Anna mencionou.

      Sendo assim, a visão que me parece levantar menos problemas será a do Prior Existence Preference Utilitarianism, se bem que o "prior existence" pode ser omitido, uma vez que indivíduos sem existência prévia não têm preferências. Também não leva a conclusões antinatalistas, como poderia acontecer se não fosse utilitarismo de preferências (ver http://en.wikipedia.org/wiki/David_Benatar). Curiosamente, descobri uma discussão muito parecida com a nossa num fórum de utilitarismo: http://felicifia.org/viewtopic.php?f=7&t=426&sid=ce2e145cfb2d8cd5fb856c68dc4b6525

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    6. O autor não _defende_ a criação de animais, ele apenas reconhece que há validade no argumento de 'oportunidade a vida'. Ele também não adopta uma perspetiva de nenhum -ismo. De facto, um dos aspetos mais fortes deste livro é exatamente a maneira com que Milligan discute e analisa diferentes argumentos de uma maneira que é fácil de acompanhar sem ser superficial.

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  2. Apesar do que mencionei anteriormente, pareceu-me um livro que vale a pena ler. Continuando com os comentários, a pertinente identificação da inevitabilidade da morte de alguns animais, mesmo em dietas vegetarianas/vegans, serve de apoio à abordagem utilitarista da ética animal, o que não acontece com a "rights-based approach". A opção por uma dieta vegetariana/vegan, mesmo por parte de defensores dos direitos dos animais, implica sempre um cálculo utilitário da escolha que implica menos mortes/sofrimento.

    Em relação aos capítulos 4 e 5, do que foi aqui apresentado, concordo com o autor. Aproveito para acrescentar que, em teoria, uma dieta vegetariana pode ser não só sustentável, como eticamente defensável à luz dos direitos dos animais ou do utilitarismo de Singer - basta que se consiga garantir que os interesses e o bem-estar do animal não são violados na recolha do leite e ovos. No entanto, se esta recolha for feita a uma escala industrial, é praticamente impossível assegurar esta não-violação.

    Para terminar, acredito na Anna Olsson quando diz que os capítulos 6 e 7 não têm a mesma qualidade dos anteriores, mas ainda assim estou curioso para conhecer as ideias deste filósofo sobre os animais de companhia e a experimentação animal.

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