Olá Per Jensen, professor de
Etologia e coordenador do grupo de investigação AVIAN na Universidade de Linköping, na Suécia. Parabéns pela atribuição do European Research Council Advanced Grant para o projecto Genetics and Epigenetics of Animal
Welfare (GENEWELL)! Podias por favor explicar aos nossos leitores um pouco mais
sobre este projecto?
O plano é estender a nossa actual
linha de investigação em genética e epigenética do comportamento em galinhas,
mas também abrir uma nova linha de investigação deste tipo em cães. Estou
particularmente interessado em aprofundar o conhecimento em bem-estar animal,
nomeadamente como é que os animais são afectados por experiências stressantes,
como lidam com estes desafios e como a habilidade para o fazer é afectada por
factores genéticos e epigenéticos. Tradicionalmente, tem-se focado a pesquisa em
bem-estar nas interacções entre animais e o seu ambiente, como por exemplo no
que diz respeito às necessidades comportamentais de cada espécie. Estou
interessado em perceber como isto é afectado pelos genes do animal, e também
como é afectado pela intensa selecção de que os animais são alvo face às
condições de produção modernas. Investimos vários anos no mapeamento de genes
relacionados com o comportamento, stress e bem-estar em galinhas e queremos
agora fazer estudos semelhantes em cães. O melhor amigo do homem tem sido criado
para manifestar diferentes comportamentos há centenas de anos, e isto abre uma
oportunidade de ouro para encontrar genes relacionados com as diferenças entre
as raças. Por exemplo, que mecanismos genéticos fazem com que algumas raças
sejam capazes de lidar melhor com situações stressantes, ou para colaborar com
humanos? Esta é uma abordagem relativamente nova na investigação do bem-estar animal,
e penso que dará uma contribuição fundamental para o nosso entendimento da
biologia animal, no seu todo.
A genética molecular tem sido
vista como uma revolução, num certo sentido, em muitas áreas de investigação em
ciências da vida. Em muita da investigação biomédica, por exemplo, tem permitido
aos cientistas identificar mutações determinantes para certas doenças, bem como
criar modelos melhorados destas doenças. Estas ferramentas demoraram mais a entrar na ciência de bem-estar animal. Que
importantes descobertas podemos esperar do uso da genética molecular nesta
área?
A visão tradicional em Biologia
tem sido que os animais nascem com um determinado conjunto de genes estáveis que
só se alteram gradualmente e ao longo de muitas gerações pela acção da selecção
de mutações aleatórias. No entanto, tem sido cada vez mais evidente que o modo
como os genes são expressos e interagem pode mudar ao longo da vida. Ao conjunto
de mecanismos que regulam este fenómeno – mudando o modo como os genes funcionam
sem contudo alterar a sequência de DNA –chamamos “epigenética”. Penso que
podemos ter subestimado até que ponto esta orquestração do genoma é afectada por
situações stressantes ao longo da vida, e como isto por sua vez altera a
habilidade de um animal de se adaptar a vários desafios. Têm sido demonstrados
inclusive efeitos epigenéticos transgeracionais, de modo que o stress numa geração pode afectar descendentes que ainda não nasceram ou eclodiram.
Espero
vir a compreender como mutações, por exemplo aquelas acumuladas durante a
domesticação, afectam o sistema de controlo do stress e como os mecanismos
epigenéticos podem calibrar e modificar todo este sistema. A relação entre os
genes e as interacções ambientais são bem conhecidas em ciência: o modo como um
gene em particular afecta o fenótipo depende do ambiente em que o animal vive.
Agora queremos acrescentar ao epigenoma e estudar interacções entre três
factores: alguns genes podem causar variação epigenética, que por sua vez
afectam a expressão génica e tudo isto modela o fenótipo, que depende ainda do
ambiente. A maior parte deste trabalho será realizado em galinhas mas, usando
cães e a imensa variação entre as diversas raças, esperamos poder encontrar
genes e mutações que possam explicar variações no modo como os animais se
adaptam a diferentes circunstâncias.
Perguntei acima acerca de
importantes descobertas futuras. Podemos no entanto já ter algumas descobertas
importantes?
Sim, sem dúvida. Por exemplo,
localizámos nas galinhas dois importantes genes, onde mutações têm vindo a ser
seleccionadas pelo processo de domesticação. Ao estudar galinhas portadoras
dessas mutações e comparando com o seu antecessor (o galo selvagem)
continuaremos a tentar entender todos os seus efeitos fenotípicos. O primeiro
gene (TSHR) codifica para o receptor da hormona estimulante da tiróide. Este
gene está aparentemente envolvido no desenvolvimento e maturação sexual e poderá
afectar o comportamento e a resposta ao stress. O outro gene no qual já estamos
a trabalhar codifica para o alfa-adrenoreceptor 2c (ADRA2c). Este é um
auto-receptor que calibra a resposta ao stress pelo sistema nervoso autónomo e é
possível que desempenhe uma função fundamental na regulação do modo como o
stress é experienciado pelas aves. Encontrámos grandes diferenças numa das mais
importantes variantes epigenéticas (chamada metilação do DNA), entre galos
selvagens (Red Junglefowl) e domesticados da variante White
Leghorn. Queremos agora descobrir qual a diferença fenotípica entre estas
duas aves. Parece claro que a domesticação levou a enormes mudanças na regulação
do genoma, mesmo que as diferenças na cadeia de DNA em si sejam
pequenas.