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domingo, 28 de novembro de 2010

Uso de animais de companhia no ensino - Parte 3

(Ver Parte 1 e Parte 2)

Pese embora a aparente ausência de ilícito penal, haverá indícios da existência de ilícito moral na utilização (única) de cães vadios para fins didácticos?

A Bastonária da OMV opõe-se à utilização de animais vivos excepto "quando o procedimento [como anestesias, cirurgias e exames] possa ser um bem para o próprio animal" (Jornal Público, 19-11). Recorrendo ao equilíbrio reflexivo, Laurentina Pedroso argumenta ainda que "Tudo deve ser feito com grande rigor e com respeito pelo animal".
Por outro lado, o colega Joel Ferraz, em entrevista ao Canal UP a 18-11, utiliza uma análise custo-benefício para, dentro da tradição utilitarista, legitimar esta opção: “Em termos éticos, e no que diz respeito ao sofrimento e valor da vida animal, não reprovo, quando comparado com o considerado normal, que é criar animais especificamente para fins científicos ou pedagógicos. Pode considerar-se moralmente mais aceitável usar um animal que não tinha utilidade e cujo destino seria a eutanásia, do que um animal saudável criado e destinado à experimentação”.

E aqui reside o ponto fundamental: de que forma a instrumentalização de um cão vadio é moralmente mais condenável do que recorrer a um beagle classificado com a categoria D (cão para investigação científica)? Em nenhum deles o procedimento é utilizado para o bem do próprio. E este raciocínio pode ser alargado para incluir as palpações transrectais em vacas de refugo, venopunções em ovinos, intubações nasogástricas em asininos ou outros animais que não servem outro propósito que não o ensino. E portanto a questão ética basilar não se resume aos animais vadios mas sim à utilização de animais vivos no ensino práctico da medicina veterinária, sem benefício dos próprios. Se, como sociedade, não estamos preparados para recorrer a animais vadios para fins didácticos, pela mesma ordem de razão não devemos aceitar nenhuma das práticas anteriores. (continua)

2 comentários:

  1. A análise ética de qualquer caso de estudo exige que façamos o esforço de considerar o "outro lado" de uma questão, despindo-nos das nossas ideias pré-concebidas, reavaliando, ponderando e perspectivando as nossas próprias convicções morais e atitudes. Assim, tomo o uso de animais do canil municipal de Évora no ensino das Ciências Veterinárias como caso-de-estudo para este exercício, respondendo ao reto aqui lançado de olhar este caso sob um prisma ético, ao invés de meramente legal.
    Para começar, e porque o princípio da equidade assim o exigem, divulgo a posição do Director do Hospital Universitário da Universidade de Évora, acedível em http://tinyurl.com/39fnsxl.
    Do ponto de vista legal, o Manuel Sant`Ana já esgrimiu argumentos suficientes para atestar da legalidade (ou ausência de ilegalidade), mas não a moralidade, deste protocolo entre o Curso de MedVet da U.E. e o Canil Municipal de Évora. Concordo que a questão essencial não se centra na legalidade desta prática, mas sim na legitimidade da mesma.
    Na reacção do público a este caso há que considerar questões do foro cultural e social, curiosamente são as que mais interesse académico me despertam, a começar pelo aproveitamento mediático do caso, explorado e exposto de modo enviesado e sensacionalista.
    Na notícia (http://tinyurl.com/39zupsc) do JN, destaco o uso inapropriado e descontextualizado dos termos "cobaia", "abatido" e "animais vivos", que levou muitos leitores da notícia (vide comentários à mesma) a interpretá-la como uma denúncia de violência e maus tratos. É ainda sugerido um clima de medo e represálias na UE, alertando-se também para o facto de serem usados animais saudáveis (o que me leva a questionar porque razão terão os animais velhos, doentes ou feridos menos direitos) e retrata-se a situação como "ilegal e que viola todos os diplomas que regulam os direitos dos animais" (de que modo? Quais?).
    Tendo a ilegalidade - mas, repito, não a moralidade - deste protocolo (assumindo o cumprimento das normas estipuladas) sido já descartada, podemo-nos interrogar se tal afirmação não é condicionada pelo facto do parecer jurídico emanar de uma advogada activista de associações pró-direitos dos animais (ao invés de um jurisconsulto devidamente isento). Essa mesma advogada foi a responsável pela dinamização da manifestação (notícia e vídeo aqui: http://tinyurl.com/26chufh) pedindo a "cabeça" do Veterinário Municipal, manifestação essa a pretexto da denúncia de ilegalidades (refutadas pelo veterinário municipal e que, a existirem, deverão ser devidamente sancionadas e remediadas) mas que contudo parece mais questionar a própria natureza do protocolo entre as duas entidades visadas. No caso em concreto, não disponho de informação isenta acerca da existência ou não de atropelos aos preceitos legais e éticos na aquisição, transporte, manuseamento e eutanásia dos animais. O director do hospital veterinário garante essas condições, enquanto os seus detractores pões as mesmas em causa.

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  2. De um ponto de vista ético, e sendo essencialmente um utilitarista/contractualista moderado (e outras posturas há, cada qual com seus méritos), já disse num comentário a um outro post do Manuel que, salvaguardados tanto quanto possível os mais rigorosos preceitos legais e éticos, via o uso de animais destinados ao abate como recursos didácticos para o ensino de Medicina Veterinária como um modo de extrair algo positivo de uma situação bastante dramática, desde que os animais estivessem profundamente anestesiados (e não mais do que uma vez) e não sofressem absolutamente nada com as intervenções. Isto porque, para além de constituir um potencial benefício na formação destes profissionais da saúde animal, temos ainda que o facto da anestesia e eutanásia serem conduzidas por profissionais mais que qualificados, em melhores condições de higiene e tranquilidade que a da generalidade dos canis, concedendo aos animais uma maior dignidade na hora da morte. Concedo, evidentemente, que o conceito de dignidade, e mais ainda o da "morte digna" poderá ser altamente subjectivo e, no caso de outros animais que não o ser humano, sujeito a antropomorfização.

    Uma outra questão aqui subjacente é o da dicotomia "valor da Vida"/"qualidade de vida", centrais em vários aspectos da bioética, que vão da interrupção voluntária da gravidez à eutanásia. Os dados a que tenho acesso apontam para uma divisão entre aqueles que dão primazia à vida e os que valorizam mais a qualidade de vida, numa proporção que se mantém mais ou menos constante ao longo de diferentes sectores etários e de formação académica.
    À luz desta dicotomia,a moralidade de encurtar em vários anos a vida de um animal poderá depender da perspectiva de saúde e bem-estar desse animal ao longo dos anos "retirados". Mas vejo mais como uma questão de postura moral do que ponderação deste último critério a decisão entre preferir a vida de um animal num canil (ou na rua) ou a sua eutanásia.

    Há mais problemas de fundo a considerar, como o facto de os animais estarem nos canis para adopção por um período de tempo arbitrário e condicionado só pelos constrangimentos logísticos, a legitimidade de uma entidade oficial deter a "propriedade" dos animais que apanha ou mesmo a própria abordagem do "canil", tal como o conhecemos, como resposta ao abandono, maus tratos e sobre-população dos animais de companhia, já abordados neste blog:

    - http://animalogos.blogspot.com/2010/08/abandono-de-animais-em-debate.html

    - http://animalogos.blogspot.com/2010/03/cooperac.html

    - http://animalogos.blogspot.com/2010/03/ma-sorte-nascer-com-pelos-e-ter-um-dono.html

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