[Partes 1 e 2, respectivamente,
aqui e
aqui]
Seguidamente, tem a a palavra Rita Silva, Presidente da Direcção da Associação Animal. A pessoa afável e calma que se apresenta com um caloroso sorriso contrasta com o teor do
resumo que apresenta. No mesmo, um cenário dantesco e horripilante do uso de animais em ciência é pintado com imagens grotescas de cabeças rebentadas por martelos, ossos quebrados, colunas partidas e eléctrodos no cérebro (estes, já agora esclareça-se,
não causam dor, uma vez que o cortex não possui terminações nervosas) que se perfilam para ilustrar um título já de si sugestivo: "Violência em nome da Ciência", executada sem anestesia em "pelo menos 65% dos casos", asseguram.
A sua exposição é, contudo, muito menos gráfica e de teor bastante mais moderado. Na mesma, condena o uso de animais sobretudo com base em argumentos éticos, e não tanto científicos, uma abordagem que inteligentemente a salvaguarda de potenciais investidas reactivas duma plateia de futuros ou actuais cientistas, que sabe não serem o seu público. Não deixa, no entanto, de lembrar o que no passado foram [qualquer coisa como] as trágicas consequências humanas do uso de modelos animais. Fala nas alternativas, no caminho da modernidade e do que é o grande interesse económico que faz perpetuar o uso de animais, não obstante o facto do mesmo ser, no seu entender, obsoleto. Condena ainda o uso de animais na investigação em cosméticos e promove a base de dados da "Animal" em alternativas e da sua lista de de produtos "amigos dos animais". Não obstante o meu dever de isenção, temo ter inconscientemente abanado a cabeça em reprovação de muito do que oiço. Muito do que diz é uma reprodução de falácias repetidas
ad nauseam em sites "anti-vivissecção" (termo, no meu entender, infeliz) facilmente refutáveis, mas que são tidas como verdadeiras por parte de quem não tem acesso (ou não quer ter) ou capacidade para entender informação cientifica, objectiva e isenta. Não conheço nenhum cientista que use animais por interesse económico, sei que não há qualquer composto em produtos cosméticos que não tenha sido já testado em animais e humanos e que as companhias que alegam não o fazer usam produtos já extensivamente testados há muitos anos atrás. Conheço todos os casos de alegada falta de validade do uso de animais repetidamente evocados, de modo deturpado ou completamente erróneo.
Confesso-me desiludido. Se, por um lado, os argumentos científicos ou económicos não são devidamente explorados e fundamentados, por outro esperava um aprofundar das questões éticas subjacentes ao uso de animais, dado esse ser o principal argumento. Nem uma coisa nem outra, portanto.
Como cientista, devia-me sentir ultrajado por estas alegações. Engulo, contudo, o orgulho ferido e procuro ver que há alguma
razão por detrás destas acusações. Há ainda uso de animais desnecessário e injustificadamente severo. Sinto que, não obstante terem sido os 3Rs propostos há 50 anos, a sua implantação estar ainda na infância, por variadíssimas razões que não cabem aqui. E coloco a pergunta [a propósito da inclusão dos 3Rs na nova directiva europeia]:
- "Como vêem os 3Rs? Progressistas? Nefastos por legitimadores do uso de animais?"
- "Importantíssimos", oiço de um lado, desejando por dentro que todos os cientistas assim pensassem.
- "Só o Replacement nos interessa" - oiço do outro lado. Contudo oiço ainda que, até o mesmo ser completamente atingido, devemos Reduzir e Refinar.
Luz ao fundo do túnel! Afinal há diálogo possível.
Apesar de muitas vezes o debate entre cientistas e activistas seja frequentemente difícil, é possível falarmos a mesma linguagem: a da razão, do respeito e do compromisso. Não o chegamos a alcançar verdadeiramente neste debate, mas não havia tempo nem representatividade de ideias suficientes para isso. Mas é algo que devemos alcançar, já que estamos "condenados" a partilhar o mesmo Planeta.
O tempo dedicado às perguntas do público é desperdiçado, na sua maioria. Infelizmente, o conhecimento superficial do tema e o desejo dos alunos de manifestar o seu apoio ou reprovação do que ouviram faz perder a oportunidade de trazer a lume as questões mais prementes. Nas suas respostas, as palestrantes aproveitam para reiterar as suas mensagens: de um lado, a experimentação animal como científica e moralmente justificável e os 3Rs e a lei como garante da elevação ética da conduta dos investigadores; do outro, o uso de animais como totalmente injustificável, pouco válido e promovido por interesses alheios à ciência. Aplausos aqui e ali, para apoiarem uma ou outra postura (sendo a prof. Fátima um pouco mais popular, até porque "joga em casa").
No remate, a Rita Silva aproveita para uma vez mais chamar a plateia a atenção para o sofrimento animal e da urgência em mudar de paradigma. A prof. Fátima tira mais um coelho da cartola: - "quem concorda com o uso de animais para testar produtos como champô para o cabelo?" - e penso para mim, "eu concordo em usar produtos testados, mas não vejo motivo para testar mais produtos". No entanto, antes mesmo de se poderem contar as opiniões, remata da seguinte forma: "eu também não, não há necessidade". Fico confuso, pois tenho a certeza que está mais mais do que ciente da importância de usar produtos seguros (ainda que não sejam necessário mais produtos de higiene). Oiço aplausos. Percebo a sua intenção: apesar de o fazer de um modo um tanto ou quanto demagógico, quer assegurar à audiência que os animais não são usados para "futilidades". Ficamos bem na fotografia. Mas quem me dera que a mesma retratasse com fidelidade a realidade.
Este é o debate possível. Mas um debate, apesar de tudo. Balanço positivo, portanto.