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quinta-feira, 26 de julho de 2012

Animalogos procura...

...saber mais sobre duas reportagens que passaram recentemente na televisão portuguesa, uma sobre a produção de galinhas e frangos ao ar livre em sistemas móveis e outro sobre uma exploração de vacas leiteiras com investimentos feitos na melhoria das condições dos animais.

Alguém reconhece e consegue indicar-nos os links?

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Pecuária Tradicional: o valor dos nossos recursos naturais


No ANIMALOGOS temos vindo a defender formas de produção pecuária mais holísticas e menos intensivas e já aqui abordámos algumas das principais questões éticas relacionadas com o consumo de carne. Em A Ética de um Bom Bife, a Anna Olsson apelou a uma diminuição do consumo em bases ambientais e nutricionais, ao passo que Peter Sandoe em Meat is Murder contextualiza o acto de matar um animal para o comer. No que me diz respeito, vou procurar defender o valor das raças autóctones no contexto de uma pecuária tradicional.

Várias notícias que têm vindo a público fizeram-me pensar sobre este assunto. O Jornal Público de hoje (de onde vem a excelente fotografia de Rui Gaudêncio) noticia que "um rebanho de cabras vai ser utilizado para reduzir os riscos de incêndios florestais no planalto de Jales, em Trás-os-Montes" (pode encontrar a notícia aqui). É uma estratégia de adição de baixos valores na procura de um valor maior: os terrenos têm reduzido valor agrícola e florestal, estão abandonados (e com elevada biomassa) e as cabras são animais com baixo valor nominal. No entanto, as cabras são também animais altamente adaptados ao clima, terreno e vegetação da região, permitindo maximizar recursos que de outra forma se perderiam.

Este exemplo vem reforçar a minha visão de que os animais domésticos que nos acompanham há centenas ou mesmo milhares de anos fazem, de facto, parte daquilo a que chamamos natureza. Eles não devem ser vistos como um produto da acção humana que interfere no ambiente, destabilizando-o, mas sim como parte integrante do meio ambiente. Voltando às cabras, elas não só podem contribuir para a prevenção de fogos, como contribuirão para o próprio ecossistema: seleccionando as plantas que ingerem, fertilizando os solos, e fazendo parte da cadeia trófica do lobo ibérico. De um ponto de vista ecocêntrico, as espécies estão interligadas, independentemente de serem domésticas ou selvagens.

Por isso é que a investigação em recursos genéticos e biológicos é tão importante. A criação do Banco Português de Germoplasma Animal em 2010, vem permitir o estudo e preservação do património genético das raças autóctones, conferindo às gerações futuras a capacidade de melhor se adaptarem às alterações no seu ambiente (muitas das quais provocadas por nós). Na esteira de Hans Jonas, é nossa responsabilidade defender a pecuária tradicional como parte da "dignidade própria da natureza". Os desafios são, porém, imensos. Caso paradigmático é o Porco Alentejano (porco preto), raça autóctone criada em regime extensivo e alimentada a bolotas durante a maior parte da sua vida. O Porco preto poderá estar em risco de extinção porque sofre a concorrência de produtos não diferenciados e porque depende do ecossistema do montado que, apesar do seu elevado valor ecológico (ver documentário da BBC), está também em declínio.

Mas o apelo às raças autóctones não se aplica por igual a todas as formas de produção pecuária devido ao  conflito entre valores biológicos-ecológicos e económicos. É o caso do leite onde o factor quantidade suplanta qualquer apelo à sustentabilidade. Mas mesmo num cenário "monomarca" em que a variabilidade genética é muito reduzida (praticamente todos os animais são de raça Frísia-Holstein) é possível diferenciar produtos e caminhar no sentido de uma maior sustentabilidade. Um estudo científico (a confirmar) realizado pelo Instituto Nacional de Recursos Biológicos traz algumas evidências de que a carne de bovinos açorianos (mesmo sendo de vacas leiteiras refugadas) tem características benéficas para a saúde de consumidores. De facto, o leite açoriano é produzido num regime semi-intensivo, em que as vacas têm acesso a pasto. Isto resulta, associado a um bom maneio, num maior potencial de bem-estar animal, numa menor dependência de alimentação comercial e em produtos mais saudáveis.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

II Congresso PSIAnimal


O programa final para o segundo congresso PSIAnimal, a decorrer em Lisboa em Setembro, está agora disponível. Com duas partes temáticas, o congresso conta com participação de investigadores portugueses e internacionais. 



No tema Animais de Companhia – Cão e Gato, 22 e 23 de Setembro, as palestrantes convidadas internacionais são as médicas veterinárias especialistas em medicina de comportamento de animais de companhia Sarah Heath e Tiny de Keuster



No tema Animais de Produção e Equinos, 29 e 30 de Setembro, os palestrantes convidados internacionais são os investigadores Patrick Pageat, presidente do European College of Veterinary Behavioural Medicine – Companion Animals e Isabelle Veissier, membro da comissão organizadora do projeto Welfare-Quality e do WelfareQuality Network.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Matthias Kaiser, afinal é melhor cultivar peixe do que pescar?


Anna Olsson: Olá Matthias Kaiser. Num artigo recentemente apresentado na última reunião da European Society for Food and Agricultural Ethics, o Matthias argumenta que os consumidores alemães deviam ser menos presunçosos em relação aos peixes que consomem e aceitar que a aquacultura sustentável é uma boa maneira de produzir peixe. Poderia descrever o seu raciocínio aos leitores do animalogos ?

Matthias Kaiser: Obrigado por me darem esta oportunidade. Eu procurei abordar a típica atitude do género: "Ei, mesmo quando a aquacultura é bem feita, eu vou sempre para o peixe selvagem, que, de qualquer forma, é melhor e mais sustentável - não se pode vencer a natureza, pois não?" Eu acredito que isto é errado por várias razões, entre as quais razões éticas. Uma razão é que estamos seriamente a sobrepescar os stocks naturais nos oceanos, o que também resulta em preços mais elevados para o peixe selvagem capturado. Os padrões de consumo baseados em produtos da pesca só podem ser mantidos pelas partes ricas do mundo, excluindo a maioria das outras pessoas. Isto resulta no privilégio dos ricos em explorar os comuns em detrimento dos pobres. Além disso, e considerando mais uma vez as partes mais pobres do mundo, deve-se olhar para a questão das mudanças climáticas. Embora tenhamos sido nós, os mais ricos, a provocar o problema, são os países mais pobres quem já está a sofrer os seus efeitos. Uma boa forma de ajudar esses países a superar os piores problemas das alterações climáticas é envolvermo-nos em trocas comerciais de produtos de aquacultura, o que também contribui positivamente para o seu desenvolvimento social e económico. Assim, comprar peixe proveniente desses países seria uma – ainda que pequena – forma de assumirmos alguma responsabilidade pelos problemas que causamos.


AO: O debate na Alemanha tem sido, talvez, mais focado nos aspectos ambientais, mas o cepticismo em relação à aquacultura é bem conhecido também em Portugal, onde nenhum restaurante iria falar com orgulho de seus peixes provenientes de aquacultura e onde escritores gastronómicos falam pejorativamente em "peixe enjaulado". ou "de aviário" Tem alguma mensagem para eles?

MK: Essa expressão traz-nos imediatamente à memória "porcos enjaulados" ou "galinhas enjauladas" e mostra que os consumidores actuais começaram a preocupar-se com o bem-estar animal, e não apenas com o preço ou a qualidade do produto.  (Nota da animalogante: Penso que é mais na qualidade do produto do que na qualidade da vida do  animal que se pensa quando se fala do "peixe do aviário"). Vejo-o, de um ponto de vista ético, como um bom desenvolvimento. O problema, no entanto, está em agruparmos coisas que deviam ser avaliadas de forma separada. Em primeiro lugar, até mesmo os piores casos de "galinhas enjauladas" podem não ser um argumento suficiente derrubar todos os tipos de produção em grande escala. Na verdade, é justamente por estarmos dependentes da produção animal em larga escala que precisamos de melhorar o bem-estar animal desses animais. Em segundo lugar, em aquacultura isso depende em grande medida da espécie e do tipo de sistema utilizado. Na Noruega, os produtores de salmão aprenderam da pior maneira que uma densidade muito grande nas gaiolas afecta seriamente a qualidade do produto e aumenta a probabilidade de surtos epidémicos. Eles também aprenderam que o animal precisa de um ambiente onde o comportamento natural de natação não é restringido. Infelizmente, apenas nos últimos anos emergiu uma investigação que visa uma compreensão mais holística do bem-estar em peixes, e que só lentamente vai influenciando a indústria. Além disso, a densidade de peixe não é sempre um problema, tudo depende das espécies de peixes e do ambiente: os peixes-gato preferem estar muito próximos uns dos outros em águas lodosas, já que nas águas cristalinas eles se sentem ameaçados. Onde eu quero chegar é que é possível manter o bem-estar em aquacultura, o que muitas vezes já é feito. Há pontos de equilíbrio entre, por um lado, bem-estar animal e produção em grande escala, por outro.

Assim, a minha mensagem para os consumidores portugueses seria: "Comece fazendo perguntas mais exigentes em restaurantes ou supermercados, como por exemplo: de onde é que vem este peixe? A sua produção e comercialização são certificadas de alguma forma, em particular no que diz respeito a sustentabilidade ambiental, bem-estar animal e ética comercial? "


AO: Sendo eu própria agronoma, sou um pouco céptica em relação à aquacultura por um motivo muito diferente. Todos os animais terrestres que cultivamos para obtenção de carne alimentam-se essencialmente de plantas, mas os peixes de cultivo são geralmente de espécies carnívoras (as excepções, como a carpa, não são geralmente aceites na Europa como espécies alimentares). Sabemos, a partir das discussões sobre sustentabilidade, que a produção de proteína animal para consumo humano é muito mais ineficiente do que se os humanos comessem directamente a proteína vegetal. Agora, obter proteína animal consumindo peixes que por sua vez se alimentam de proteína de peixe, isso não aumenta o problema exponencialmente?

MK: Agora colocou o dedo na questão mais importante: estaremos simplesmente a usar peixe barato para produzir peixe caro? Por outras palavras, podemos justificar eticamente a alimentação de peixes com proteínas derivadas de outros peixes? [Para tornar a questão ainda mais complicada, devemos acrescentar que também os animais terrestres são, em grande medida, alimentados com ração contendo proteína de peixe, ou seja, uma quantidade significativa da produção industrial de farinha de peixe e de óleo de peixe vai para a agricultura industrial (porco, aves, ruminantes, etc.)]. Concordo plenamente consigo que o uso de proteínas de peixe na alimentação animal deve ser reduzida, ao invés de aumentar. Eu não concordo que a questão esteja na eficiência de conversão energética. Mas, mais uma vez, o diabo está nos detalhes:
Na aquacultura, a "pior" espécie é o salmão (atum e alguns outros, também), ou seja, em princípio, quaisquer espécies carnívoras no topo da cadeia alimentar. O problema é que estas espécies têm o valor de mercado mais elevado e são, portanto, muito procuradas. Nós, os países ricos, somos os principais produtores de salmão, principalmente a Noruega e a Escócia (na Europa). Os produtores de salmão também já perceberam que a proteína de peixe é um ingrediente problemático na alimentação dos peixes, por causa do aumento dos preços. Por isso estão a reduzir a quantidade de proteína de peixe na alimentação (substituindo-a, por exemplo, por soja) e têm tido algum sucesso a fazê-lo. Eles também mencionam o facto do salmão ser um conversor de energia muito eficiente, muito mais eficiente do que qualquer outro animal de produção.
Mas eu sou mais optimista em relação a todas as outras espécies que importamos, em especial da Ásia. O peixe-gato (Pangasius) é uma espécie omnívora, assim como o tilápia. Os camarões também comem todo o tipo de coisas, e são, portanto, muito menos dependentes de suplementos de proteína de peixe. A ração de camarões é feita, em grande medida, de subprodutos da pesca, inaproveitável para consumo humano. Em muitos lugares a aquacultura está integrada com a produção agrícola (por exemplo, peixes com aves, usando os excrementos de aves para alimentar os peixes). Embora seja verdade que a carpa não é muito popular na Europa e os EUA (embora seja muito popular na China), ainda temos a opção de incluir espécies na nossa dieta que são menos exigentes em termos de proteína de peixe (N.T. é o caso da truta).

Em suma, o meu argumento é o seguinte. A não ser que nos tornemos todos vegetarianos (que é uma opção ética, mas não necessariamente abraçada por todos nós), se quisermos ter um estilo de vida saudável, com redução dos efeitos climáticos deletérios, devemos: (i) comer mais produtos aquáticos (e muito menos carne), (ii) escolher os produtos aquáticos, provenientes de aquacultura sustentável e certificada, e (iii) privilegiar o consumo de espécies omnívoras, que exigem menos proteína de peixe na sua alimentação. O que precisamos é de um consumidor consciente que faz perguntas mais exigentes e específicas, e uma indústria que responde à necessidade de corrigir as formas insustentáveis de produção.

Traduzido do inglês por Manuel Sant’Ana (segundo a antiga ortografia).



sexta-feira, 29 de junho de 2012

O que é uma estereotipia?

Um equívoco comum nas discussões sobre bem-estar animal é considerar uma 'estereotipia' como sinónimo de "comportamento anormal". Os dois termos são relacionados, mas não são diretamente substituíveis. Na realidade, os comportamentos estereotipados são antes um tipo particular de comportamento anormal. Tal como o nome sugere, resultam da repetição regular de um mesmo comportamento, inúmeras vezes e por longos períodos de tempo.

Quem já viu um tigre ou um urso polar no jardim zoológico teve, com grande probabilidade, a possibilidade de assistir a pacing estereotipado. Estes comportamentos tendem a ser muito notórios e costuma ser evidente, mesmo para o observador menos experiente, que algo de errado se passa com o animal.




Animais selvagens de espécies que na natureza possuem grandes territórios, quando confinados a pequenos espaços em jardins zoológicos e circos - ou enjaulados como animais de estimação - são particularmente propensos a desenvolverem comportamentos estereotipados. Mas este tipo de comportamentos ocorre em todos os tipos de animais mantidos em cativeiro. Pensa-se que se desenvolvam a partir de comportamentos normais que os animais estão muito motivados a realizar na natureza, mas que num ambiente restritivo são impedidos de manifestar de maneira normal. 

Se a restrição comportamental afeta a alimentação e/ou a procura de alimentos, é mais provável que os animais desenvolvam estereotipias orais, como as porcas e o cavalo nos vídeos abaixo.








 
Se os animais antes estão motivados para explorar e para se movimentar, provavelmente irão desenvolver estereotipias locomotoras. O tigre acima é um exemplo disso, outra é weaving em cavalos.




Já agora, desligue o som no seu computador enquanto vê os vídeos, a menos que queira ser exposto a mais equívocos sobre comportamentos estereotipados. Estes comportamentos não são contagiosos e os animais não os aprendem uns dos outros, como muitos proprietários de cavalos e treinadores pensam. Se vários animais no mesmo ambiente mostram estereotipias semelhantes, a explicação é que eles reagem de uma forma semelhante ao ambiente inadequado.

As estereotipias são comportamentos intrigantes. Muita pesquisa tem sido direccionada para a compreensão de como se desenvolvem, mas também para dois outros aspectos importantes que vou discutir a seguir: porque é que as estereotipias persistem e o que significam para os animais.


Na maioria dos vídeos neste post, vemos os animais a executar estereotipias enquanto alojados em ambientes altamente restritivos, com uma excepção: o cavalo que exibe cribbing. Apesar de estar num paddock com amplo espaço e em companhia de outros cavalos continua a exibir este comportamento anormal. Este é um exemplo de que estereotipias podem persistir uma vez estabelecidas num animal - de modo que colocar o animal num ambiente mais adequado nem sempre é suficiente para se livrar do comportamento problemático.


As estereotipias são um indicador importante do bem-estar animal, uma vez que se pode concluir dum ambiente em que muitos animais desenvolvem estereotipias que o mesmo não é apropriado para estes animais. Mas em tal ambiente, as estereotipias podem ser uma espécie de auto-ajuda para os animais que as realizam. Há evidência de investigação que a execução de comportamentos estereotipados pode reduzir stress. Por isso, impedir um animal de realizar estes comportamentos (como é muitas vezes tentada em cavalos) é definitivamente o caminho errado para resolver o problema.


sábado, 23 de junho de 2012

Semanas Europeias do Peixe - Qual o seu papel?


Estão a decorrer até ao final de Agosto as Semanas Europeias do Peixe, uma iniciativa da plataforma OCEAN 2012. A campanha visa captar a atenção do público (e consumidor) europeu para os problemas da sobrepesca, apelando a uma intervenção cívica junto dos centros de decisão política para se alterar a Política Comum das Pescas. No âmbito desta iniciativa vai decorrer hoje um cordão humano em forma de peixe em frente ao Padrão dos Descobrimentos.

O tema não nos deve deixar indiferentes; a situação actual de populações selvagens de peixe (aquilo que numa linguagem antropocêntrica é designado por stocks pesqueiros)  é de tal forma preocupante que leva os cientistas a questionar se ainda haverá peixe em 2050 (ouvir o Podcast da Science). Na qualidade de terceiros maiores consumidores per capita de peixe do mundo - atrás de japoneses e islandeses - temos responsabilidades redobradas em mantermo-nos informados e em fazer escolhas conscientes na hora de escolher o peixe que colocamos no prato. Já aqui demos destaque a outras iniciativas como a plataforma Que peixe comer?, lançada pela LPN, e que podem auxiliar nessa tomada de decisão.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Do negacionismo científico e outras falácias

No que diz respeito ao uso de animais como modelos em ciência, considero a perspectiva abolicionista  como filosoficamente legítima. A mesma deriva de um conceito de direitos animais que, na linha de pensamento de filósofos como Tom Regan, vai pedir "emprestado" ao Kantismo o conceito de dignidade intrínseca e inviolável  dos seres humanos e o "estica" para incluir todos os animais sencientes.

Concordando-se ou não, a honestidade intelectual de Regan a este respeito é inquestionável. O seu apelo à abolição do uso de animais em ciência é indiferente aos eventuais benefícios médicos (ou outros) que possa ter para humanos ou mesmo para outros animais. Estabelecendo um paralelo com o que se passou com a experimentação médica levada a cabo em humanos pelos nazis, Regan argumenta que há fins que em circunstância alguma justificam os meios. 

Já Peter Singer, filósofo utilitarista e o autor mais influente para os adeptos dos direitos dos animais, admite haver circunstâncias nas quais os benefícios da experimentação em animais poderão justificar os custos (para os animais). Ao invés de uma abrupta mudança de direcção ética da parte de quem providenciou as bases filosóficas do actual movimento para a "libertação animal", é antes o resultado lógico da sua coerência com a filosofia utilitarista que preside à sua obra seminal, Animal Liberation, como já clarificado pelo próprio (que considera tais circunstâncias raras e excepcionais) e comentado por Regan (vide aqui).

Face a estes exemplos de coerência, é difícil de compreender o porquê de muitos apologistas dos direitos dos animais optarem pelo negacionismo científico para argumentar a sua posição. Assim, ao invés de assentarem o cerne da sua argumentação no pressuposto moral que o sofrimento dos animais  nunca é justificável (seguindo Regan), partem para um pseudo-balanço utilitarista entre custo e benefício que está comprometido à partida, ao considerarem que é cientificamente inválido (e inclusive fraudulento) usar animais como modelos de seres humanos, ou mesmo de outros animais.

Ora isto contradiz a evidência do contributo da experimentação animal teve no incrível progresso médico e científico dos últimos 100 anos, e nunca antes visto na história da humanidade (para alguns dos exemplos mais relevantes, ver aqui). A título de exemplo, consideremos que das 102 ocasiões em que Prémios Nobel em Medicina ou Fisiologia foram atribuídos desde 1901, em 81 ocasiões foi para premiar trabalho científico conduzido em vertebrados não-humanos, enquanto que noutras quatro laurearam investigadores que se basearam directamente em resultados obtidos de experiências com animais levadas a cabo por outros grupos. Uma outra medida indirecta do impacto que o progresso biomédico - em larga medida assente na experimentação em animais - teve no século XX é o aumento da esperança média de vida, que em alguns países desenvolvidos duplicou entre 1900 e 2000, continuando ainda a crescer (ver, por exemplo, Oeppen and Vaupel 2002Kirkwood 2008Kinsella and He 2009).

Há, evidentemente, limitações associadas ao uso de cada modelo animal, sendo necessário que os investigadores estejam a par das mesmas, bem como das melhores práticas em bem-estar animal, desenho experimental e métodos alternativos. Mas daí a acusarem os investigadores de "fraude científica", como frequentemente o fazem activistas  dos direitos dos animais, vai um enorme, e infundado, passo.

O uso de animais assenta no pressuposto evolutivo de todas as espécies vivas partilharem traços fisiológicos, genéticos e comportamentais - entre outros - entre si, uma semelhança tanto maior quanto maior a proximidade filogenética entre as espécies em questão.

Um forte argumento - e o qual partilho - para a necessidade de salvaguardar o bem-estar dos animais é o facto destes, e principalmente os vertebrados, poderem sentir dor, prazer, stress, isolamento, angústia, "depressão" ou "alegria", de modo análogo aos humanos. Isso deriva de partilharem connosco as estruturas e fisiologia neuroendócrinas - bem como as restantes - necessárias para a manifestação desses estados cognitivos e emocionais, o que por sua vez constitui também um forte argumento científico para a validade do seu uso como modelos em ciência. Assim, optar por apenas ver a parte que legitima o seu ponto de vista, defendendo que os animais "são iguais a nós" e depois ignorar essa semelhança quando se trata de alegar que não podem servir de modelos de seres humanos ou outros animais é uma clara manifestação de negacionismo científico ao serviço da causa animal.

Numa apresentação nas TED conferences, Michael Specter alertou para o perigo que o negacionismo científico, em geral, representa para a sociedade, a qual convido todos os animalogantes a assistir.

"You are not entitled to your own facts", nas palavras de Specter

Tudo isto vem a propósito da mais recente petição levada a cabo pelo Partido pelos Animais, pela "substituição da experimentação animal por alternativas".  Aparte a minha enorme curiosidade em saber como se pode alcançar tão ambicioso desígnio por intermédio de petição, interrogo-me também até que ponto as alegações presentes no texto que acompanha a petição são resultado de um - até certo ponto compreensível - enviesamento cognitivo e ideológico, e quanto será fruto de deliberada desonestidade intelectual. 

Ainda que devesse presumir, a priori, boa fé da parte dos membros do dito partido, o(s) cabeçalho(s) em destaque na sua página web [entretanto retiradas mas ainda presentes na página de Facebook do partido, aquiaqui aqui] não me deixam grande margem para lhes outorgar o benefício da dúvida e passo a explicar porquê.




Primeiro, é explorada a ligação afectiva a cães e chimpanzés no sentido de apelar a uma imediata reacção emotiva, "esquecendo-se" que em Portugal não se faz investigação biomédica em nenhuma das duas espécies. Aliás, "esquecem-se" também de dizer que o uso de grandes símios em investigação é proibido em toda a União Europeia. Ignorância ou desonestidade?

Lembro que as mais recentes estatísticas revelaram que o somatório de todos os primatas de todos os tipos constituíram apenas 0,08% do total de animais usados em investigação, sendo o seu bem-estar sujeito a um conjunto de regras e fiscalização rigorosíssimas. Outros mamíferos não-roedores perfizeram  0,05% do total, sendo o seu uso subordinado aos mesmos critérios de exigência. Para esclarecimento da importância dada ao tratamento ético dos animais em investigação, preocupação pelo seu bem-estar, valorização de métodos "alternativos" e relevância da experimentação animal, aconselho uma leitura atenta à mais recente legislação comunitária que regula o uso de animais para fins científicos.

Nestes anúncios não se coíbem de colocar nos potenciais signatários o ónus da responsabilidade pela "tortura, desmembramento e morte lenta e dolorosa de milhares de cães, ratos e macacos", uma chantagem emocional inaceitável da parte de um partido que almeja respeito e credibilidade. Um enorme tiro no pé político, portanto, para além de uma gravíssima campanha difamatória dirigida à comunidade científica. Sendo tortura entendida como o acto de infligir dor severa com a finalidade de castigar, forçar a obtenção de informação ou simplesmente como acto de crueldade, devia a comunidade científica desafiar publicamente o PAN  a substanciar essa acusação, bem como muitas outras patentes na petição.

Quanto ao texto da petição em si, não conseguiria fazer uma análise detalhada a todas as incongruências, meias-verdades e falsidades aí presentes, sem estender em demasia o tamanho deste post. Por isso reservo-os para os comentários. 

terça-feira, 12 de junho de 2012

Visita virtual à sala de aulas - Jonathan Safran Foer


Jonathan Safran Foer, autor do livro Comer animais, vai realizar uma serie de visitas virtuais a salas de aulas no dia 3 de outubro.  Serão feitas em inglês e estarão abertas a escolas de todo o mundo. Professores interessados podem marcar uma visita aqui (nota que continua a ser possïvel marcar qualquer sessão, apesar de algumas estar marcadas com "already reserved").


domingo, 10 de junho de 2012

RSPCA e a criação de cães - entrevista ao James Yeates

Em Março passado, o Animalogos anunciou que a RSPCA (Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals) estava a fazer uma petição para se parar de criar cães. Pedimos a James Yeates, médico veterinário e chefe do departamento de animais de companhia desta organização, mais pormenores sobre esta campanha:


Anna Olsson – Com todo o respeito pelo tom provocatório, querem realmente dizer que toda a criação de cães deve ser suspensa? Ou deveria incidir mais sobre alguns tipos de criação?

James Yeates - Quero começar por esclarecer o apelo feito pela RSPCA. Não se trata de eliminar toda a criação canina per se – os cães são centrais nas sociedades humanas e nós amamo-los. É antes prevenir a reprodução de cães que não terão boas vidas em lares responsáveis. Isto envolve trabalhar com vista a reduzir a criação de cães com problemas de saúde, seja por doença genética ou por más práticas de criação. Também envolve tentar reduzir o número de cães criados, especialmente aqueles criados sem suficiente reflexão sobre o seu destino - quer por desleixo (quando pessoas irresponsáveis adquirem animais não castrados) ou para lucro egoísta (quando as pessoas querem ganhar dinheiro como se os animais fossem apenas uma fonte de receita). Também se trata de assegurar que os cachorros (e gatos, e coelhos) são vendidos e comprados de forma responsável pelas pessoas certas, e que estão 100% comprometidas (e capazes) em satisfazer as necessidades dos animais durante as suas vidas inteiras – que pode ser de dez ou vinte anos.


AO - Em muitos meios, comprar um cão de raça de um criador certificado pelo Kennel Club é visto como sendo posse responsável de um animal. Por outro lado, considerando-se o vigor do híbrido [robustez e melhor saúde em animais com alta diversidade genética] versus problemas de endogamia, os cães cruzados tendem a ser mais saudáveis e a viver mais do que os cães de raça pura. Na verdade, na última edição do principal livro de texto sobre bem-estar animal, Paul Hocking, Rick d'Eath e Joergan Kjaer afirmam que a "perseguição doentia de uma determinada aparência estética em diferentes raças de cães e gatos" leva a uma negligência "injustificada dos benefícios do cruzamento entre raças". Então, quem é que deve realmente parar de criar cães?

JY – Nós pretendemos ver as práticas de criação de raças puras melhoradas. A RSPCA está muito atenta às puppy-farms [“fábricas de cahorros”] e também às patologias específicas de cada raça, que foram objecto de detalhada análise científica nos últimos anos. Estamos a financiar um projecto que visa obter taxas de prevalência deste tipo de patologias em contexto clínico. Lançámos também a Campanha Born to Suffer ["nascido para sofrer"] com base nas evidências disponíveis. A suposta ligação entre "pedigree" e "qualidade" é, essencialmente, infundada. Claro que existem criadores responsáveis mas a etiqueta "pedigree" realmente só se refere ao parentesco, e não à qualidade. "Pedigree" sugere "previsível", na medida em que se refere a um conjunto restrito de genes com algumas características "fixas", mas esta previsibilidade inclui problemas de saúde igualmente previsíveis, tais como problemas respiratórios e dolorosas patologias oculares e ortopédicas, devidos a características exageradas ou a doenças genéticas.
Em vez de protegermos o rótulo de "pedigree" – que de facto protege os maus criadores que lucram por pouparem nos cuidados de saúde - devemos apoiar práticas de criação e criadores responsáveis. Isto significa que para a associação entre pedigree e qualidade ser verdadeira é necessário impedir que os cachorros dos maus criadores possam ser registados.
 Em relação aos cães cruzados (mestiços), com o seu vigor híbrido, somos certamente a favor. Em especial se forem adoptados e não comprados, é esperado que ajudem a reduzir a sobrepopulação canina e as taxas de eutanásia. Alguns cães cruzados também podem ter doenças hereditárias (e estamos preocupados com o "design” de híbridos de raças puras), mas nunca ouviu o termo "doenças características da mestiçagem" como ouço "doenças características da raça". Com base nas evidências actuais, tanto científica como da prática veterinária, eu preferiria ter um cão cruzado (e tenho dois).


AO – Actualmente, os veterinários portugueses afirmam estar a assistir ao efeito da crise económica em que as pessoas não podem pagar o tratamento de seus animais de companhia e em que o abandono e os pedidos de eutanásia têm aumentado. Passa-se algo semelhante no Reino Unido?

JY – Até ao momento os nossos números têm tido oscilações ligeiras. Mas cada vez mais temos de nos concentrar nos animais especialmente vulneráveis, ou seja, aqueles resgatados pelos inspectores da RSPCA ou apreendidos pela polícia em processos judiciais accionados pela RSPCA, o que pode alterar os nossos números de eutanásia. O que eu posso dizer em relação à eutanásia (que é outra das nossas petições) é que a RSPCA, de facto, eutanasia animais potencialmente adoptáveis devido aos elevados números que acolhemos. O que consideramos ser a atitude correcta mas a circunstância errada, daí o nosso apelo em reduzir a necessidade de fazê-lo (que está, naturalmente, ligado ao apelo da sobre-população).


Traduzido do inglês por Manuel Sant’Ana (segundo a antiga ortografia).

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Porque não comer insectos?


A pergunta pode parecer uma provocação, mas o desafio lançado por Marcel Dicke, entomólogo holandês, parece fazer sentido num mundo em que, num contexto de escassez de recursos, será necessário alimentar 9 milhões de pessoas em 2050. Os insectos são altamente nutritivos, saborosos (diz quem sabe), e podem ser criados com incrível rapidez. Consomem apenas uma fracção dos recursos necessários para a produção tradicional de carne e poderão vir a dar uma grande contribuição na produção sustentável de alimentos. Além disso, e numa perspectiva senciocêntrica, os insectos são muito menos problemáticos em termos de bem-estar animal.

Pondo os preconceitos de parte, não parece haver nenhuma razão para manter os insectos afastados dos nossos pratos. Poucos domínios descrevem tão bem a herança cultural de um povo como a sua tradição culinária: nas nossas ementas cabem todo o tipo de fungos, plantas, moluscos, crustáceos mas nada de insectos. Estaremos dispostos a incluí-los?

sexta-feira, 25 de maio de 2012

"O cão semi-afundado" de Goya: opressão e empatia


Francisco José de Goya y Lucientes (1746 - 1828)
Cão semi-afundado (Perro semi-hundido), 1821-23
Óleo sobre tela, 80 x 134 cm
Museo del Prado, Madrid

Se, num exercício hipotético, me fosse dado a escolher um quadro - dos muitos que já abordei no blog Querido Bestiário - para ter em minha casa, a escolha recairia, sem sombra de dúvida, sobre “Cão semi-afundado” de Francisco de Goya. Esta obra faz parte da Série Negra; são 14 pinturas a óleo, lúgubres e pessimistas, marcadas pelos acontecimentos políticos e sociais da Espanha nos inícios do séc. XIX, fruto da ocupação francesa e da Guerra da Independência.

Rogo a todos os animalogantes que não deixem de visitar esta obra sublime no Museu do Prado, em Madrid. Mais do que a dimensão, o que impressiona é a sua verticalidade. O cão e o solo (parece ser areia, mas pode ser rocha, barro ou mesmo água) estão comprimidos no terço inferior da composição, esmagados por uma atmosfera inverosímil que ocupa os outros dois terços. As proporções académicas e classicistas (que Goya chegou a abraçar) foram abandonadas em detrimento de uma composição livre e dinâmica. A perspectiva desaparece e o céu sonega o motivo principal, impondo-se na sua complexidade; extremamente variegado, ele emana tons dourados e acobreados mesclados por sombras dúbias, não nos permitindo saber ao certo o que se está a passar: estará o cão realmente enterrado ou só escondido atrás do morro? Ele emerge ou afunda-se? E para onde olha ele, para uma tempestade de areia ou talvez para alguém?

A verdade é que não sabemos e a obra aberta, e há quem diga que inacabada, permite-nos todo o tipo de interpretações. A meu ver, o cão, do qual só vemos a cabeça e que fita algo ou alguém para lá dos limites superiores do quadro, foi o animal escolhido para simbolizar a opressão. A expressividade da canina resulta melhor para extrapolar sentimentos humanos do que a de qualquer outra espécie animal. É com o cão que o homem se envolve em laços afectivos mais fortes e íntimos e a sua aparente reciprocidade chega a ser comovente. Nas palavras de qualquer amante de cães: “só lhe falta falar”.

A relação homem-cão parece ser, de facto, especial. Há evidências de que os cães são capazes de percepcionar estados de espírito da parte de seres humanos. Por exemplo, uma equipa de cientistas da Universidade do Porto, liderada pela bióloga Karine Silva, descobriu recentemente algo que muitos daqueles que vivem com cães já sabiam: quando bocejamos, o nosso cão também boceja. Este tipo de empatia é único no mundo animal já que nenhum outro animal é contagiado por bocejos de indivíduos de espécies diferentes da sua. Voltando ao cão do Goya: eu olho para ele e sinto um sentimento de opressão, apesar de nada me oprimir. Será que o meu cão, vendo-me oprimido, é capaz de se sentir ele próprio oprimido?


Ver mais pinturas animalistas de Goya aqui, aqui e aqui.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Porque é importante medir a dor em murganhos? - Entrevista a Matthew Leach

No seguimento do nosso último post, apresentamos uma entrevista ao primeiro autor do recente artigo The Assessment of Post-Vasectomy Pain in Mice Using Behaviour and the Mouse Grimace Scale, Matthew Leach, da Universidade de Newcastle (tradução por Nuno Franco). 


Matthew Leach, 2012

Anna Olsson – Olá Matt. Antes de mais parabéns pelo teu artigo recentemente publicado na PLoS One. Neste artigo vocês comparam diferentes métodos de avaliar a dor em murganhos.  Podias por favor descrever brevemente como este trabalho foi realizado?

Matthew Leach – Neste estudo nós comparamos as mudanças nas expressões faciais de murganhos usando a Mouse Grimace Scale (MGS) [1] com outros métodos validados de avaliação de dor baseados no comportamento dos animais. Neste caso, os animais avaliados foram murganhos [ratinhos] macho sujeitos a vasectomia de rotina [2]. Para isso foram recolhidos vídeos do comportamento dos animais um dia antes e uma hora após a cirurgia, tendo sido usadas imagens estáticas retiradas dessas gravações para a avaliação com base na MGS.
Os animais foram divididos em três grupos, um tendo recebido solução salina [grupo controlo], outro meloxicam, e outro bupivacaína [3], administradas 30 minutos antes da cirurgia. Foi estabelecido que, se necessário, os animais receberiam ainda analgesia de intervenção, no pós-operatório



A.O. – Quais foram as principais conclusões?

M.L. – Fomos capazes de detectar e avaliar a dor após vasectomia em murganhos através da MGS, tendo-se registado entre os momentos pré e pós-cirurgia um aumento significativo na classificação com este método. Através da MGS, foi também possível aferir a eficácia do uso de analgésicos, que se reflectiu numa menor classificação MGS após a vasectomia nos grupos que a receberam.  Observamos ainda que a MGS foi tão eficaz na avaliação da dor pós-vasectomia e eficácia analgésica em murganhos como  métodos de avaliação comportamental validados.

A.O. - Porque, e para quem, é isto é importante?

M.L. – Nós pensamos que o desenvolvimento de melhores métodos para avaliação e alívio da dor em animais, e murganhos em particular, é crucial. Presentemente sabemos muito pouco sobre o modo como avaliar e aliviar a dor induzida por procedimentos rotineiramente realizados nestes animais. A identificação e redução da dor em animais usados em investigação não só é importante para o seu bem-estar, mas também para a validade dos dados recolhidos desses animais.

A MGS parece oferecer um meio simples e rápido de avaliar dor pós-cirúrgica em murganhos, e que supera algumas das limitações associadas aos métodos actualmente utilizados com base em indicadores comportamentais

Nós esperamos que este método seja utilizado por todos aqueles de alguma maneira responsáveis pela avaliação de dor em murganhos, sejam eles veterinários, técnicos, tratadores ou os próprios investigadores que usem murganhos nos seus estudos. 


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[1] N.T. - A Mouse Grimace Scale é uma escala desenvolvida para interpretação e avaliação de “expressões faciais” em murganhos, e já apresentada neste blog

[2] N.T. - A vasectomia de murganhos é usada para implantação de embriões em fêmeas. Após a cópula, e uma vez que os machos são estéreis, as fêmeas ficam num estado de "pseudo-gravidez" e assim prontas para receberem os embriões a implantar. O uso estes animais é eticamente relevante, pois significa que nenhum foi submetido a intervenções dolorosas como resultado directo deste estudo, mas antes foram usados animais que seriam, de qualquer maneira, intervencionados para um programa de modificação genética. 

[3] Analgésicos frequentemente utilizados

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Vida sem dor, morte rapida

Dois estudos recentemente publicados na revista PLoS ONE abordam o que provavelmente são as duas preocupações humanas mais básicas com bem-estar animal: assegurar que os animais não sintam dor enquanto vivem e que a morte seja rápida e indolor.


O trabalho do Matt Leach insere-se na linha de investigação por excelência do grupo de biologia comparativa da Universidade de Newcastle, que há décadas desenvolve metodologia para medir dor em animais de laboratório.O estudo demostra que se consegue distinguir um animal que tem dor de um em ao qual foi distribuído um analgésico através de análise da expressão facial e através de análise manual de comportamento, mas que uma análise automatizada de comportamento não consegue fazer esta distinção. (Ou seja, não é só uma questão de ver a dor nos olhos do ratinho mas também de ter olhos para ver.). Falaremos mais sobre este estudo num post a vir.

O segundo trabalho vem também de Newcastle, e é motivado pela preocupação com o possível sofrimento associado a eutanasia com CO2. Este gás é a escolha preferida para a eutanásia de animais em grupo, por ser fácil de administrar sem ser tóxico nem caro. Mas do ponto de vista de bem-estar animal a prática tem sido questionada: há indicações que a inalação de CO2 causa dor e desconforto antes que o animal perca a consciência. O estudo agora apresentado no PLOS ONE demostra que a administração de N2O em conjunto reduz o tempo até inconsciência, assim reduzindo o tempo em que os animais possam estar em sofrimento antes de perder a consciência.    

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Brincar com porcos

A nossa preocupação moral para com os animais muda com o crescente desenvolvimento de tecnologia na pecuária? Esta é a questão que o filosofo neerlandês Clemens Driessen aborda no seu projeto de doutoramento a ser concluido este ano. E não só pensa, brinca mesmo com este ideia, como nesta colaboração desenvolvida junto com estudantes de arte e investigadores de bem-estar animal:




Os alunos desenvolvem o seu ponto de vista num blog. O ponto do vista do porco ainda está por explorar. Citamos Marc Bracke, o cientista de bem-estar animal envolvido no projeto:
Humans and pigs have a reputation for being intelligent. Despite this, however, neither humans nor pigs seem to be able exert their cognitive abilities in the best possible ways in their modern environments. Farmed pigs in the European Union are required to have access to ‘enrichment materials’, in order to allow them to perform their (natural) behaviour, to reduce boredom and tail biting, and, hence, to reduce the need for tail docking. This legal requirement has led farmers to provide materials such as a plastic ball or a metal chain with some plastic piping. However, these ‘toys’ for the most part neither resolve societal concerns nor do they appeal to the cognitive abilities of the pigs. To allow for a more interesting development of (human and animal) behaviour, and to learn more about some of the processes involved, a team of designers and researchers joined together to design a game challenging the cognitive abilities of both pigs and humans.

terça-feira, 1 de maio de 2012

"Priolo" - Madalena Boto


Situada no coração do Atlântico, a ilha de São Miguel (Açores) é conhecida pela extraordinária diversidade de espécies que habita as suas águas. Mas este paraíso subtropical guarda outros tesouros em terra. Nas encostas montanhosas a Leste, encontramos a última mancha de floresta Laurissilva da ilha: o reino de um animal tímido e ameaçado – o Priolo. A ave canora mais rara da Europa.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

NYT: A Ética de Comer Carne


O jornal The New York Times lançou há um mês um inusitado desafio aos seus leitores: que os omnívoros de manifestassem e elaborassem argumentos éticos capazes de justificar o seu consumo de carne. Os textos não podiam ter mais de 600 palavras e seriam depois avaliados por um júri de especialistas, entre os quais o filósofo da Libertação Animal Peter Singer. Os seis ensaios finalistas foram recentemente anunciados e encontram-se a votação até ao final do dia 24-04.

Se é omnívoro, com qual dos textos se identifica mais?
E qual o melhor argumento ético, se é que existe, para defender o consumo de carne?

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Frans de Waal: comportamento moral em animais.



Fanz de Waal é um conceituado primatologista e etólogo que ficou famoso, entre outras facanhas científicas, por demonstrar a importância da reconciliação na agressividade dos chimpanzés. Para o fazer, De Waal teve de recorrer um grau moderado de antropomorfismo, isto é, teve de se basear naquilo que se passa nas relações entre seres humanos para construir a sua hipótese em chimpanzés, que se veio a verificar.

No vídeo que aqui vos deixo, De Waal parece recorrer um nível mais elaborado de antropomorfismo para construir a hipótese de que (pelo menos alguns) mamíferos apresentam comportamentos morais, tais como empatia, cooperação, justiça e reciprocidade. Embora as experiências sejam muito apelativas, até pelo rigor com que são realizadas, eu tenho relutância em fazer a mesma leitura dos seus resultados. Talvez eu tenha um preconceito behaviorista na medida em que considero não ser possível medir a moralidade de uma acção ou comportamento apenas através da sua observação. É meu entender que se não temos acesso às motivações que dão origem ao comportamento, não vale a pena fazer afirmações sobre a sua moralidade. Porque não o podemos confirmar; um comportamento que apenas aparenta ter motivações morais não é em nada diferente de um comportamento de facto baseado em princípios morais. E por isso, considero as conclusões de de Wall como "antropomorfismo sentimental", ou aquilo que Kennedy (1992) apelida de "mock anthropomorphism".

Mas houve outra coisa que me chamou a atenção neste vídeo: eu sou da opinião que a ciência deve ser divertida, mas não consegui deixar de sentir algum incómodo com as observações risíveis de De Waal sobre os vídeos e as correspondentes gargalhadas da plateia, que reagia como se estivesse a ver uma comédia. Não penso que isso contribua para a credibilidade do estudo da etologia cognitiva.

terça-feira, 10 de abril de 2012

A nossa co-evolução com a vaca

Há poucas coisas mais estimulantes para mim como cientista do que ver bons trabalhos científicos. Por isso, no contexto do debate a decorrer aqui sobre o caráter essencial (ou não) do leite, agarro logo a oportunidade de trazer um dos meus trabalhos preferidos para o blog. Albano Beja-Pereira é agora investigador do CIBIO da Universidade do Porto, e um dos seus estudos da tese do doutoramento aborda a co-evolução das populações bovina e humana da Europa.

Beja-Pereira A et al (2003) Gene-culture coevolution between cattle milk protein genes and human lactase genes. Nature Genetics 35, 311-313

Quem quiser ler o trabalho na íntegra pode descarregar o artigo clicando sobre a referência acima. Muitíssimo resumido, o artigo mostra que a distribuição geográfica de genes importantes para produção de leite no gado bovino (mapa b) coincide completamente com a distribuição geográfica de gene que confere persistência da lactase (enzima que permite digestão do lactose) na idade adulta nos seres humanos (mapa c).

Isso não nos diz que o leite é um alimento essencial para seres humanos na Europa de hoje. Mas sugere fortemente que assim tem sido, durante a nossa evolução e adaptação genética às condições locais.

sábado, 7 de abril de 2012

A Worldview of Animal Law - Breve Recensão

Por Orsolya Varga, jurista e bolseira de pós-doutoramento,IBMC-UP

Direito Animal é uma área relativamente nova do Direito que examina como a lei trata os animais. Os animais são legalmente considerados como propriedade, o que molda os instrumentos jurídicos existentes. Embora o estatuto de propriedade dos animais não tenha sido alterado desde a Antiguidade, o facto de os animais serem seres sencientes distingue-os das restantes propriedades, o que tem vindo a ganhar reconhecimento legal Até há pouco tempo, os únicos animais a receberem alguma atenção legal significativa foram aqueles com valor económico, tais como suínos, ruminantes e cavalos de tracção. Actualmente, por exemplo, a crueldade sobre animais (vertebrados) é um crime, independentemente do animal ser propriedade de alguém ou ter valor económico.

O Direito Animal foi-se tornando popular a partir dos anos 1990: faculdades de direito começam a oferecer cursos de direito animal, livros de texto são publicados, e várias conferências são organizadas em todo o mundo. O motivo deste texto é um livro recentemente publicado sobre o direito animal e intitulado A Worldview of Animal Law (Uma visão Global do Direito Animal) de Bruce A. Wagman e Matthew Liebman (Carolina Academic Press, 2011). Este livro não é um compêndio para alunos de direito, nem um resumo abrangente das leis de um país específico; ao invés, fornece uma explicação geral sobre as questões emergentes em direito animal. Assim, se estiver à procura de legislação animal específica, nacional ou internacional, o melhor é consultar uma base de dados, como por exemplo, AnimalLaw.com.

"Uma visão Global do Direito Animal" faz perguntas fundamentais como: que valores ou políticas explicam a cobertura legal de certos animais, mas não de outros? Porque é que, por exemplo, os acordos internacionais protegem os animais em extinção, mas não os mais comuns? Por que é que as leis de muitos países protegem os animais de produção mas não os animais de companhia? O livro tem cinco áreas temáticas: uso comercial de animais para alimentação e entretenimento, crueldade animal, experimentação animal e estatuto dos animais nas leis constitucionais e no direito internacional. As leis de diferentes países são comparadas em cada uma das áreas temáticas. Por exemplo, no capítulo sobre a experimentação animal o livro mostra como os diferentes países têm abordado a experimentação animal por meio de leis nacionais. Só há um único país no mundo (São Marino), que proíbe categoricamente a experimentação animal. Alguns países estão a proibir experiências com os grandes símios, como a Espanha ou a Nova Zelândia. No entanto, a maior parte dos países não proíbe, mas antes regulamenta, o uso de animais em experiências, educação e testes. Leis reguladoras permitem o uso de animais em pesquisa científica e biomédica, mas procuram minimizar o sofrimento através da regulamentação das instalações e da higiene, a instituição de comités de fiscalização, minimizando experiências redundantes, e promovendo métodos alternativos. As leis nacionais dos seguintes países são apresentadas e comparadas: São Marino, Liechtenstein, Nova Zelândia, Reino Unido, Estados Unidos, China, Índia e Austrália.

O capítulo sobre o direito internacional é excepcional, uma vez que não se concentra num assunto em particular, mas discute uma variedade de acordos internacionais. Três documentos internacionais, com três enfoques diferentes, são detalhados no livro: Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e da Flora Selvagens (CITES), restrições comerciais baseadas em bem-estar animal nos termos do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e a Convenção Internacional para a Regulação da Actividade Baleeira. Esses tratados, assim como os casos com eles relacionados, mostram claramente a tensão histórica entre a protecção e exploração económica dos animais.

A minha avaliação geral do livro é de que ele fornece uma introdução útil para o Direito Animal e ajuda a compreender as oportunidades para os animais de todo o mundo. O livro também fornece uma visão limitada aos “novos movimentos” no direito animal com vista a melhorar o estatuto dos animais, tais como o Great Apes Project (numa perspectiva de direitos dos animais) ou a Organização Mundial da Saúde Animal (OiE) (numa perspectiva de bem-estar animal).